Em Águeda, na nossa infância, o rio era uma iniciação, um lugar de camaradagem, de amizade. Vinha o calor e todos íamos para as velhas piscinas do Spor Algés e Águeda, onde o Bério se esforçava por ensinar alguns a deixarem de chapinhar e a Lola vigiava atentamente os balneários das meninas. E íamos para o Fojo, onde havia uma praia de areia pejada de lençóis brancos a secar ao sol e a água ficava da cor do sabão-azul usado pelas lavadeiras. Ou ainda para mais longe, para o lugar mágico do Souto do Rio, os pinheiros altos em sombra sobre as margens, os cheiro dos eucaliptos, a frescura dos choupos afastando a canícula, um silêncio que vinha das profundezas da terra quando mergulhávamos até ao lodo e os sons dos pássaros e das vozes distantes se afogavam na corrente que juntava o Águeda e o Alfusqueiro.
Os campos de milho estalavam de sol e éramos capitães da areia e meninos do rio. Uma sensação de liberdade que se espalhava por todo o céu azul-impossível e pelas manhãs que só tinham fim quando o apito da fábrica da telha avisava que era hora do almoço e nos fazia, por momentos, regressar a casa, para depois voltar a todo o comprimento das tardes que setembro iam fazendo mais e mais e mais curtas de tal forma que crescemos e nos tornámos adultos sem percebermos bem como tudo isso aconteceu num lugar onde o tempo parecia ter parado para sempre.
Para mim parou. Dia 10 de Junho não é dia de Portugal, muito menos da Raça. Dia 10 de Junho é dia do Souto do Rio, ali entre Águeda e Bolfiar, dia das águas e de São Geraldo, dia das romarias infinitas dos que vêm a pé pela estada de Assequins que segue para o Caramulo ou, pelo outro lado, atravessando os campos do Sardão e da Borralha. “Rio Águeda que vais/ Banhando a verde fragrância/ Das margens do Nunca Mais/ Onde fica a minha infância”, escreveu Manuel Alegre.
Para mim o tempo parou nas margens do nunca mais…