Governos provisórios


O episódio recente do estatuto da carreira dos professores faz lembrar que Portugal parece o país de onde não se sai de governos provisórios de gestão casuística.


A mais recente inventona político-mediática sobre o pleno reconhecimento ou não de direitos a um grupo profissional mostra como o impasse político no nosso país é profundo e bloqueador de qualquer aspiração à plena modernidade e integração no pelotão da frente da União Europeia.

Sobre políticas que estruturam o Estado e aqueles que o servem, o estatuto da carreira dos docentes é o exemplo de que os principais partidos não foram, não são capazes de se pôr de acordo em matérias essenciais.

Ponto final.

Esta a expressão de um imbróglio de regime e de modelo político-constitucional que, apesar de permitir gerar Governos de base democrática, não consegue ir mais além no reconhecimento do “bom governo” essencial ao prestígio das novas democracias: capacidade de, em liberdade, abordar temas estruturantes que condicionam o futuro, evoluindo para soluções duradouras de consenso alargado.

Este episódio recente faz lembrar que Portugal parece o país de onde não se sai de “governos provisórios de gestão casuística”, ocupado na espuma dos dias e sem capacidade para reformas que abram perspetivas novas de mudança da nossa realidade.

No domínio das finanças públicas, por via dos tratados da UE, corremos numa vereda estreita, com regras apertadas e compromissos a cumprir.

Mas hoje parece assente que até o PS – depois de testar o exercício da extrema irresponsabilidade de 2005 até 2011, pulverizando toda a lógica de exigência e rigor de Maastricht, quanto ao défice e à dívida –, nos últimos quatro anos, saltou para a cátedra de fundamentalismo do défice zero e, mais, do “nós somos o garante da sustentabilidade das finanças públicas”.

Extraordinário.

Desfez a qualidade dos serviços públicos, cativou como método e criou impostos e mais impostos como solução equilibradora orçamental, voltou a varrer despesa do perímetro de empresas públicas do Estado para debaixo do tapete, mas haja Deus…

Tirando os saudosos de uma moeda fraca e de uma economia vivendo em inflação, dívida e, no limite, tolerância pelo racionamento eventual de bens nas prateleiras dos supermercados por ausência de crédito soberano, como o PCP, pareceria então fácil o consenso sobre onde e como aplicar os recursos de uma economia que cresce a menos de 2%.

Mas não.

O caso recente dos professores assim o demonstra.

Ora, se mesmo onde a UE impõe regras estritas é difícil o consenso na aplicação das poucas sobras orçamentais – depois de pagarmos os juros e o serviço da dívida, a educação, a saúde, a justiça, a defesa e a segurança social –, como alcançar e admitir o consenso onde se materializam factualidades quase repetindo as irreversíveis aquisições constitucionais do tempo da “revolução”?

Tenha-se como exemplo o desprestígio mais que conhecido quanto à representatividade dos eleitos perante os eleitores.

Isto é, o desprezo não escrito do povo pelas instituições e por quem o representa, expresso na elevada abstenção eleitoral, talvez retirando o Presidente da República e os autarcas.

Ética da responsabilidade pelo que se promete? Cumprimento do que se promete?

Veja-se o que o Partido Socialista escreveu no seu Programa de Governo em 2015 sobre o tema.

“Existe, hoje, na sociedade portuguesa uma quebra de confiança dos cidadãos relativamente à política, às instituições democráticas e aos seus responsáveis.

O PS reconhece a necessidade e a urgência de inverter esta tendência e, por isso, atuará, de forma decisiva, nas seguintes áreas-chave:

– Na valorização da democracia representativa, começando pela reforma do sistema eleitoral, ao qual se associam medidas para alargar e facilitar o exercício do direito de voto;

– No desenvolvimento de novos direitos de participação pelo cidadão, como através de um programa de perguntas diretas ao governo da República, bem como na valorização de mecanismos já existentes, como o direito de petição;

– No reforço da tutela de direitos fundamentais que, em virtude das ferramentas da sociedade de informação, podem hoje ser postos em causa de novas formas.

– Reformar o sistema eleitoral e adotar mecanismos que ampliem e estimulem a participação democrática.

O PS está ciente da necessidade de aproximar os eleitores dos eleitos e de alargar e facilitar o exercício do direito de voto.

Para esse efeito irá adotar as seguintes medidas:

Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo”. (Programa de Governo do PS, 2015, pág. 25)

Aqui chegados, quatro anos depois, nem um passo foi dado.

Estamos no domínio do processo decisório de política pura, onde não há constrangimentos de natureza financeira, mas apenas consciência do que a política e a sintonia com a cidadania podem fazer por um país.

E a omissão não é apenas deste partido. O PSD escreveu coisa parecida que retirou da agenda nestes quatro anos, perdendo-se no vazio da mensagem diluída no dia-a-dia.

Já quanto ao Presidente da República e sobre o tema, fica a admissão de que se desconhece a descrição dos corredores na magistratura de influência…

Mas o tempo de eleições é o tempo de avaliação, o tempo de votar para desfazer imbróglios de regime.

Votar é julgar, e como pode o país perder a oportunidade de não sancionar quem acumula mandatos perdidos no incumprimento de contratos de boa-fé com os eleitores?

Julguemos então, democraticamente, sem rotina de opção por mais do mesmo, mesmo quando se vota pela Europa, isto é, por um Portugal europeu.