CTT. João Bento é o novo homem forte por escolha do maior acionista

CTT. João Bento é o novo homem forte por escolha do maior acionista


Caberá ao novo presidente puxar pelos lucros da empresa, que têm vindo a cair, lidar com o braço-de-ferro que tem existido com o regulador e negociar com Governo prazo de concessão em vigor até 2020.


João Bento, atual administrador não executivo, vai assumir a liderança dos CTT, depois de Francisco de Lacerda ter renunciado ao cargo na sexta-feira, tal como o Sol avançou. João Bento entrou nos Correios a 20 de abril de 2017 e o i sabe que o nome foi indicado pelo maior acionista da empresa, Manuel Champalimaud, com 12,58% das ações. 

Caberá ao novo presidente da empresa manter o plano estratégico aprovado para este mandato, assim como lidar com o regulador, cuja relação tem estado debaixo de fogo com Francisco Lacerda, e negociar com o Governo o prazo de concessão, que está em vigor até 2020. 

Recorde-se que os partidos de esquerda entregaram projetos de resolução no Parlamento para que fosse levada a cabo uma reversão da privatização e nacionalização da empresa que assegura a distribuição de correio pelo país – um cenário que foi afastado pelo PS, que quer esperar até 2020 para avaliar a possibilidade de nacionalização da empresa. No entanto, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, disse recentemente no Parlamento que não afasta a hipótese de reversão da privatização da empresa feita em 2014. “O Governo não exclui, neste momento, nenhum cenário”, referiu.

A questão tem sido criticada pelo maior acionista dos Correios. Manuel Champalimaud, presidente da Gestmin – que agora escolheu o nome de João Bento -, chegou a admitir que o”barulho” sobre nacionalização tem “intuitos eleitoralistas” e alertou para custos para os contribuintes. “Uma decisão desse tipo só poderia ser tomada num contexto revolucionário, impensável na Europa de que somos parte”, disse, acrescentando que “ainda nesse cenário impensável, os contribuintes seriam chamados a pagar, não só pela reversão como pela operação que lhes cairia nas mãos”.

Mas as maiores dores de cabeça do novo líder poderão ser provocadas pela relação da empresa com a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom). Sob a liderança de Francisco de Lacerda assistiu-se a um verdadeiro braço-de-ferro com o regulador. Ainda na sexta-feira, a Anacom revelou que os CTT voltaram a falhar indicadores de qualidade no ano passado, o que levou a que 6,5 milhões de cartas chegassem ao destino demasiado tarde. Em comunicado, a entidade liderada por Cadete de Matos afirmou que vai aplicar o “mecanismo de compensação”, reduzindo o valor máximo pelo qual os CTT podem aumentar os preços este ano, tratando-se do “terceiro ano consecutivo em que os CTT não conseguem cumprir a totalidade dos 11 indicadores de qualidade do serviço postal universal a que estão obrigados”.

Os CTT tinham de garantir a entrega no dia seguinte de um mínimo de 93,5% das cartas de correio azul no Continente, mas só conseguiu fazê-lo em 92,3% dos casos: o resultado foi que “dois milhões de cartas do correio azul demoraram mais de um dia útil a ser entregues”. A empresa tem até ao próximo dia 1 de julho para implementar mudanças na medição dos indicadores de qualidade do serviço, que “apresentava múltiplas fragilidades”.

A mais recente polémica diz respeito ao chumbo da proposta dos CTT em relação ao reforço da rede postal no início deste mês. O regulador das comunicações afirmou que a proposta da empresa para resolver o problema do encerramento das estações em vários concelhos não era suficiente. Segundo a Anacom, todo os concelhos devem ter uma estação ou um posto com serviços equivalentes.

Nessa altura, Francisco de Lacerda assegurou que “os CTT não estão a abandonar as populações” e que a empresa cumpre o contrato de concessão, que obriga a ter um ponto de atendimento, seja posto ou estação, em cada concelho.

Mas os problemas não ficaram por aqui. Em fevereiro, os Correios e o regulador não se entenderam sobre o número de reclamações da empresa. A entidade liderada por Cadete de Matos acusou a empresa de Francisco de Lacerda de utilizar a nomenclatura “reclamações” para englobar as queixas e os pedidos de informação para mostrar que tinham sido alvo de uma redução de 7% no ano passado, quando o regulador diz que aumentaram 43% nesse período – uma acusação afastada por Francisco de Lacerda ao garantir que a sua empresa “não mente”, acrescentando ainda que “não presta informação enganosa nem mente às populações, nem às autoridades. Pautamo-nos por trabalhar em boa colaboração e de uma forma transparente, com a informação devidamente prestada”.

Lacerda bateu com a porta

Francisco de Lacerda entrou nos Correios a 22 de agosto de 2012 e na sexta-feira renunciou ao cargo. A informação foi avançada pelo Sol e acabou por ser oficializada pela empresa em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. “Os CTT – Correios de Portugal informam que o senhor Dr. Francisco de Lacerda, vice-presidente do Conselho de Administração e CEO [Presidente Executivo] da sociedade, apresentou nesta data renúncia a estes cargos com efeitos nos termos legais”, lê-se no comunicado. 

De acordo com o mesmo, Francisco de Lacerda decidiu renunciar aos cargos “por entender ser do interesse da sociedade proceder a uma transição da liderança da equipa executiva dos CTT nesta fase, em que se encontram consolidados os três pilares críticos da estratégia aprovada para o mandato 2017/19”.

A sua entrada na liderança dos Correios ocorreu dois anos antes da privatização da empresa. Desde o ano da privatização até final de 2018, os Correios perderam 57,8 milhões de euros em resultados. O cenário de queda também se refletiu no número de trabalhadores, com a empresa a empregar menos 426. Em contrapartida, o atendimento foi reforçado e passou de 2317 (entre redes de lojas e postos de correios) para 2383 pontos CTT, uma diferença de 66.

No primeiro trimestre do ano, os lucros dos CTT recuaram 38% para 3,7 milhões de euros. Esta linha de queda de lucros já tinha sido seguida em anos anteriores. No ano passado, os Correios apresentaram uma quebra de resultados de 28%, para 19,6 milhões de euros. Mas, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, a empresa cortou na distribuição de dividendos: 10 cêntimos por ação, ou seja, nunca os CTT pagaram tão pouco aos seus acionistas, cortando com a política de distribuir mais do que os lucros registados e ficando apenas por 75% dos lucros.

Foi também durante os seus mandatos que arrancou o Banco CTT, um projeto que tinha sofrido sucessivos adiamentos em anteriores administrações. O banco arrancou em 2016 com a abertura de 200 balcões. De acordo com a empresa, terminou esse ano com mais de 100 mil clientes, 74 mil contas abertas e mais de 250 milhões de euros em depósitos. Fechou 2018 com mais de 400 mil clientes, um crescimento dos depósitos de 42,8% para 884 milhões de euros e uma quota de 2,8% na concessão de crédito à habitação (238 milhões de euros).