Aos poucos, instalou-se em Portugal um “Novo Estado”. É democrático, sem dúvida. Mas incorpora uma opressão burocrática e moralista que menoriza a individualidade do cidadão comum, joga com os seus direitos e faz dele um alvo dos intentos políticos de quem dirige o país.
Esta situação agravou-se fortemente com o Governo da geringonça, que tomou de assalto praticamente todos os centros de poder e os serviços do Estado, tornando-os não entidades independentes, mas instrumentos de ação política. Exemplos não faltam.
Ministros e secretários de Estado multiplicam-se em repetidas inaugurações virtuais e em sistemáticas ações mediáticas de propaganda, enquanto os portugueses vêm os seus direitos básicos serem negados como praticamente nunca aconteceu.
A Segurança Social é um caos escandaloso onde tudo falha, estando a cargo de um Vieira da Silva que já mostrou não estar à altura, apesar de andar agarrado ao poder governativo há décadas, tendo sido sucessivamente sampaísta, guterrista, socrático e, agora, um dos topos- -de-gama da situação. Basta ouvir ou ler o que disse a respeito da Segurança Social a Provedora de Justiça, na fulgurante entrevista que deu a semana passada à RDP. Referiu-se, nomeadamente, ao atraso sistemático no deferimento de pensões de velhice (nem o nome mudaram para uma coisa mais digna como pensão de reforma ou de aposentação, até porque se nega essa reforma mesmo a quem tenha mais de 43 anos de trabalho e 65 de idade).
Existem, porém, muitos outros casos de falhas numa quantidade de áreas, como a ausência de apoio aos indigentes, a doentes internados deixados ao abandono, às famílias em risco, aos desalojados pela lei Cristas, às vítimas de violência doméstica e dos incêndios ou de outras tragédias inesperadas – isto enquanto o dinheiro das pensões financia absurdamente construção social. Ou seja, é usado para um fim que inevitavelmente dará prejuízo, em vez de ser rentabilizado. Anda-se a acudir a situações com o fundo de equilíbrio da Segurança Social, cuja finalidade deveria ser garantir as pensões dos reformados!
O “Novo Estado” é também o das cativações e do assalto à carteira dos cidadãos, por via de impostos diretos e indiretos a que se juntam taxas e taxinhas que acompanham quase todos os serviços básicos, como eletricidade, água e gás. Só através dos descontos excessivos nos salários, Mário Centeno arrecadou o ano passado (2018) mais três mil milhões de euros do que estava previsto. Ou seja, privou cidadãos de dinheiro que era deles e que fazia falta à economia. E para quê? Para o devolver este ano em véspera de eleições, dando uma falsa ideia de prosperidade. É uma forma de manipulação antidemocrática com a qual pactuam alegremente os partidos da geringonça.
No meio disto, a saúde pública vai desaparecendo, os seus profissionais vão desanimando e deixando o setor rumo à privada. Uma privada que vai perdendo as comparticipações do Estado e da ADSE, deixando de tratar pobres e remediados. Fica, tendencialmente, para quem tem seguros. Mas quando acabam os plafonds, as pessoas são recambiadas para o SNS, que se vê a braços com as mais graves doenças crónicas, como as oncológicas, os acidentes cardíacos e vasculares cerebrais e as degenerativas.
Os atropelos à cidadania estão por todo o lado. Estão numa justiça cada vez mais lenta. Estão em serviços que são informatizados mas que não têm pessoas para esclarecer ou dar seguimento concreto aos processos. Estão em forças de segurança que não têm meios, enquanto empresas municipais florescem ou se multiplicam. Estão nas autoridades de toda a espécie que não funcionam mas que têm poderes de polícia, aplicando coimas e multas. Isto para não falar dos inúmeros reguladores que nada regulam, mas onde é confortável ter lugar. Na cultura, em vez de entidades com história e créditos firmados, apoiam-se supostos animadores culturais.
Em todas as zonas em que o poder político intervém, o amiguismo, o compadrio e a endogamia, que sempre existiram em Portugal, transformaram-se com a geringonça numa verdadeira, despudorada e galopante pandemia.
Portugal está hoje submetido a uma corrente de pensamento e de práticas que tornam todo e qualquer cidadão (mesmo os de esquerda, como se vê pelos comunistas que estão a ser expulsos por não quererem a coligação atual e a sua já proclamada renovação) num “Novo Estado” aprisionado por uma corrente de pensamento afunilada, com um inédito politicamente correto em que minorias de esquerda fraturante ditam convenções. É algo que nunca se tinha visto. E quem discordar da geringonça é certo que leva pela medida grande nas redes sociais e das manas Mortágua, que não se eximiram de pedir a morte de adversários políticos em recente manifestação na Avenida da Liberdade.
O centro-direita e centro-esquerda enfrentam, entretanto, dificuldades enormes para ultrapassar a barreira da comunicação social, sendo combatidos em todas as frentes e meios mediáticos, nomeadamente pelo Observador, que é um projeto político de direita neoliberal com laivos de populismo.
Em parte por causa destas pressões asfixiantes, crescem movimentos inorgânicos e corporativos de que os novos sindicatos são apenas um exemplo, por se terem cansado do enquadramento imposto pelas grandes centrais sindicais.
Em boa parte, a pressão e a opressão que existem na sociedade têm tido como válvula de escape e fator de moderação e equilíbrios o Presidente Marcelo. Mas convenhamos que, por mais que ele tente, não consegue entrar na substância deste novo figurino político que se vai instalando e que pode afastar cada vez mais os cidadãos das suas responsabilidades sociais, impondo comportamentos cada vez mais individualistas, o que, evidentemente, é preocupante.
Escreve à quarta-feira