OTribunal da Relação de Lisboa determinou que a caução de 300 mil euros imposta a Armando Vara na Operação Marquês é para ser mantida, contrariando assim a decisão do juiz Ivo Rosa que, a 26 de novembro de 2018, tinha decidido “a extinção da medida de coação imposta […] com o consequente levantamento da hipoteca” sobre um imóvel do arguido.
Após a decisão de Ivo Rosa – juiz que conduz a instrução do caso Marquês – o procurador Rosário Teixeira recorreu, justificando que se mantinha “o perigo de fuga e de perturbação do decurso da instrução do processo”. Émesmo citado pelo procurador o ascendente de Armando Vara sobre testemunhas arroladas, “em sede da CGD e dos negócios imobiliários desenvolvidos”.
O Ministério Público invocava ainda o facto de Vara poder ter mais dinheiro no exterior e de ter intenção de vender o imóvel sobre o qual recai a caução por 1.750.000 euros. Alegava ainda que Ivo Rosa decidiu pôr fim à caução sem que nenhum dos pressupostos se tivessem alterado e, ainda por cima, quando a mesma já havia sido confirmada pela Relação de Lisboa em março de 2018.
Armando Vara não só defendeu que não existe perigo de perturbação da instrução, como apontou as ligações familiares para garantir que nunca poderia existir o perigo de fuga.
Nova derrota de Ivo Rosa na Relação O acórdão da Relação a que o i teve acesso é mais uma derrota para Ivo Rosa. Os desembargadores Fernando Estrelae Sérgio Calheiros da Gama dizem que “o sr. juiz do tribunal a quo, ao determinar, como o fez, a revogação dessa medida de coação, violou o disposto no art.º 212.º, n.º1, alínea b) do Código de Processo Penal, já que não se verificou qualquer nova situação que pudesse ser suscetível de levar a considerar essa alteração, nem ela é invocada no despacho recorrido”.
Sobre o perigo de fuga, a Relação é clara: “Mantém-se o perigo de fuga embora muito atenuado ou quase nulo, neste momento, dado que se encontra em cumprimento de pena de prisão à ordem de outro processo [Face Oculta], mas não na altura em que foi proferido o despacho recorrido. No entanto, dado que é previsível que o arguido venha a ser libertado antes de terminado o julgamento dos factos destes autos [continua a justificar-se] a prestação de caução nos termos já decididos em despachos anteriores confirmados pelo tribunal da Relação nos acórdãos a que vem fazendo referência”.
Os juízes vão mais longe e dizem mesmo não ser improvável que “o arguido, depois de cumprir a pena atualmente, não venha a ponderar colocar-se em fuga”.
Sobre a perturbação da fase de instrução e do exercício de pressão sobre as testemunhas, os magistrados referem a entrevista dada à TVI em que o antigo ministro socialista culpa Carlos Alexandre. “Diga-se que a simples capacidade do arguido em angariar tempo de antena, em sede de emissões televisivas, para lançar avisos sobre terceiros é a prova evidente da sua capacidade e propósito de constranger a produção de prova em fases posteriores do processo – veja-se o facto notório que se traduziu na sua entrevista de 10-12-2018”.
“Pelo exposto, revoga-se o despacho recorrido do sr. juiz de instrução criminal que deverá ser substituído por outro que ordene a prestação de caução pelo arguido Armando Vara no montante de 300 mil euros”.
Na Operação Marquês, Armando Vara está acusado de um crime de corrupção passiva, dois crimes de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.
Casos em que a Relação anulou decisões de Ivo Rosa
O cenário não é novo. Em fevereiro, o juiz Ivo Rosa tinha visto uma decisão sua no caso EDP ser anulada pela Relação de Lisboa. O acórdão do juiz Ricardo Cardoso acusava Ivo Rosa de ter violado a “legalidade democrática”. O desembargador Ricardo Cardoso dava razão ao recurso do Ministério Público, confirmando que Ivo Rosa tinha ido além dos seus limites e que, ao contrário do defendido pelo juiz de instrução, os emails apreendidos no caso BES e na Operação Marquês respeitantes a António Mexia podiam ser analisados no processo EDP.
Este acórdão da Relação acabou, no entanto, por ser anulado, uma vez que a mulher de Ricardo Cardoso, também juíza, já havia tomado decisões no mesmo processo (em outros recursos). Por esse motivo, a Relação acabou por declarar nulo o acórdão.
Mas há outros casos. No processo do marroquino suspeito de terrorismo que se encontra atualmente a ser julgado, os desembargadores José Simões de Carvalho e Maria Margarida Bacelar também arrasaram a posição do juiz do tribunal Central de Instrução Criminal.
Os juízes da Relação de Lisboa deixaram clara a sua perplexidade quanto à fundamentação feita pelo magistrado Ivo Rosa para não levar a julgamento Abdesselam Tazi por crimes de terrorismo. O marroquino, que chegou a Lisboa em 2013, foi acusado por financiamento e recrutamento de terroristas em Portugal e é citado em investigações que correm França e Alemanha, mas o magistrado considerou que só deveria levá-lo a julgamento por crimes de falsificação de documentos e contrafação de moeda.
Atualmente está a ser julgado pelos crimes por que estava acusado, ou seja ligados ao terrorismo.