Esteve quase…


O PS nunca quis a exclusividade do SNS público, mas tem uma ministra que a defendee, de vez em quando, as contradições são o cabo dos trabalhos.


Foi por um fio que não voltámos a 1975 com a consagração sobre o caráter “irreversível” e exclusivamente público do SNS – Serviço Nacional de Saúde, na síntese final da revisão da lei de bases.

Valeu-nos a sorte de este tema ter calhado no mês em que o PS é obrigado a ter agenda liberal, impondo-se durante um par de semanas contra a esquerda totalitária, castradora da liberdade económica, que não desiste da tentação impositiva de modelos soviéticos na economia.

 O duelo foi epopeico. Do lado do “SNS exclusivamente público”, a ministra da Saúde do PS, a radical excelentíssima e frenética que honraria facilmente o património do PCP se, em sua representação, integrasse o governo. Deste lado ainda, o bloco de misses “anti-Bolsonaro” de esquerda, inconformadas com os 471 milhões de euros que o setor privado da saúde recebe do Estado, representando cerca de 5,1% de todo o Orçamento do Estado alocado à saúde, 8,7 mil milhões de euros (excluindo a dívida em atraso dos hospitais EPE, no valor de 750 milhões em junho de 2018).
Finalmente, ao lado da ministra e do bloco, a tranquila serenidade do PCP como parte na querela e cuja coerência pela arqueologia política quanto às funções do Estado é conhecida: que nem um euro seja prebendado a estaleiros navais ou hospitais, porque o Estado somos nós todos e nós todos podemos administrar tudo, segundo a doutrina.

Com a coisa bem encaminhada para o desfecho final à 1975, valeram então os sinais, tímidos mas eficazes, de Belém e, essencialmente, o PS do mês de abril, em versão liberal antes das eleições europeias de maio: lesto e preocupado, viu que não podia chegar ao dia de contar votos abandonando o “centro”.

Entrou então em cena o seu açoriano líder parlamentar que, com presciência e cautela, foi perentório: clamou, destarte, pela herança liberal e republicana do PS, decidindo que o setor privado na saúde deve continuar como está.
E todos “fomos” socialistas naquela feliz hora, celebrando a vitória na casa alheia, a vitória na zaragata entre parceiros, sobre uma esquerda que nos restantes meses do ano concubina com o PS, feliz e celebratória em intimidades próprias de clã…

O parlamentar omnipresente e o PS salvaram assim o futuro do SNS do exclusivo das garras das listas de espera, das dívidas de milhões dos hospitais a farmacêuticas, eletricistas e demais fornecedores correlativos, assegurando que os hospitais futuros e as PPP no setor continuam o seu percurso nascituro de admissibilidade legal…

Mas que fica politicamente desta cena?

Que a farsa destes parceiros governamentais atingiu o refinamento próprio de um estádio de galhofa trágica no Estado, com reminiscências seguramente em Shakespeare. Existe aquela cena de A Megera Domada, escrita no final dos anos 1590, em que casais se desencontram com frequência mas sonham viver felizes para sempre. São os ancestrais das atuais comédias românticas deste Governo. Neste caso, a “megera” queria muito acabar com as PPP na saúde mas não chegou lá, mesmo com as contradições deste PS.

É que o PS nunca quis a exclusividade do SNS público, mas tem uma ministra que a defende e, de vez em quando, as contradições são o cabo dos trabalhos: porque ser poder pode merecer todas as prostituições de oportunidade política, mas nem sempre é fácil a prática quotidiana…

O Bloco sabe que não tem votos para exigir tal sucesso ideológico, mas sabe que tem uns deputados de que o PS vai precisar se quiser continuar Governo. O PCP sabe que os seus quadros jovens estão fartos de esperar por amanhãs que nunca chegam, mas só com o PS pode ter mercado que lhe permita o acesso ao aparelho de Estado num próximo governo.

Estes quatro anos de teatro político, com estes parceiros em palco, são uma comédia em que até o ponto deve achar bizarra a farsa, mas decidiu assistir tolerante em nome da governabilidade, isto é, da arte de manter o poder a qualquer custo, para que Portugal tenha um Governo ainda que pondo em causa o presente e o futuro.

Este caso da lei de bases da saúde tem ainda outra faceta de vaudeville: a admissão de que toda a farsa é permitida à esquerda, perante uma plateia, que julgam eles, acabou de chegar de excursão ao Mayer. E outra conclusão ainda: que nada está consolidado, nada é estável e nada é previsível em Portugal. 

O crescimento do PIB não chegará este ano aos 2% e o investimento público e privado é uma tragédia no quadro comparativo com os restantes países da eurozona. Portugal tem hoje na base de sustentação política deste governo, e em permanente incubação, o pior reacionarismo portador de instabilidade e gerador de desconfiança, que ainda sonha recuperar o que perdeu com o 25 de Novembro de 1975 e a queda do Muro de Berlim. Quem investe num país com estas tentativas de retração totalitária, querendo impor a setores económicos a lógica de ideologias opositoras do mercado, em pleno séc. xxi?

 


Esteve quase…


O PS nunca quis a exclusividade do SNS público, mas tem uma ministra que a defendee, de vez em quando, as contradições são o cabo dos trabalhos.


Foi por um fio que não voltámos a 1975 com a consagração sobre o caráter “irreversível” e exclusivamente público do SNS – Serviço Nacional de Saúde, na síntese final da revisão da lei de bases.

Valeu-nos a sorte de este tema ter calhado no mês em que o PS é obrigado a ter agenda liberal, impondo-se durante um par de semanas contra a esquerda totalitária, castradora da liberdade económica, que não desiste da tentação impositiva de modelos soviéticos na economia.

 O duelo foi epopeico. Do lado do “SNS exclusivamente público”, a ministra da Saúde do PS, a radical excelentíssima e frenética que honraria facilmente o património do PCP se, em sua representação, integrasse o governo. Deste lado ainda, o bloco de misses “anti-Bolsonaro” de esquerda, inconformadas com os 471 milhões de euros que o setor privado da saúde recebe do Estado, representando cerca de 5,1% de todo o Orçamento do Estado alocado à saúde, 8,7 mil milhões de euros (excluindo a dívida em atraso dos hospitais EPE, no valor de 750 milhões em junho de 2018).
Finalmente, ao lado da ministra e do bloco, a tranquila serenidade do PCP como parte na querela e cuja coerência pela arqueologia política quanto às funções do Estado é conhecida: que nem um euro seja prebendado a estaleiros navais ou hospitais, porque o Estado somos nós todos e nós todos podemos administrar tudo, segundo a doutrina.

Com a coisa bem encaminhada para o desfecho final à 1975, valeram então os sinais, tímidos mas eficazes, de Belém e, essencialmente, o PS do mês de abril, em versão liberal antes das eleições europeias de maio: lesto e preocupado, viu que não podia chegar ao dia de contar votos abandonando o “centro”.

Entrou então em cena o seu açoriano líder parlamentar que, com presciência e cautela, foi perentório: clamou, destarte, pela herança liberal e republicana do PS, decidindo que o setor privado na saúde deve continuar como está.
E todos “fomos” socialistas naquela feliz hora, celebrando a vitória na casa alheia, a vitória na zaragata entre parceiros, sobre uma esquerda que nos restantes meses do ano concubina com o PS, feliz e celebratória em intimidades próprias de clã…

O parlamentar omnipresente e o PS salvaram assim o futuro do SNS do exclusivo das garras das listas de espera, das dívidas de milhões dos hospitais a farmacêuticas, eletricistas e demais fornecedores correlativos, assegurando que os hospitais futuros e as PPP no setor continuam o seu percurso nascituro de admissibilidade legal…

Mas que fica politicamente desta cena?

Que a farsa destes parceiros governamentais atingiu o refinamento próprio de um estádio de galhofa trágica no Estado, com reminiscências seguramente em Shakespeare. Existe aquela cena de A Megera Domada, escrita no final dos anos 1590, em que casais se desencontram com frequência mas sonham viver felizes para sempre. São os ancestrais das atuais comédias românticas deste Governo. Neste caso, a “megera” queria muito acabar com as PPP na saúde mas não chegou lá, mesmo com as contradições deste PS.

É que o PS nunca quis a exclusividade do SNS público, mas tem uma ministra que a defende e, de vez em quando, as contradições são o cabo dos trabalhos: porque ser poder pode merecer todas as prostituições de oportunidade política, mas nem sempre é fácil a prática quotidiana…

O Bloco sabe que não tem votos para exigir tal sucesso ideológico, mas sabe que tem uns deputados de que o PS vai precisar se quiser continuar Governo. O PCP sabe que os seus quadros jovens estão fartos de esperar por amanhãs que nunca chegam, mas só com o PS pode ter mercado que lhe permita o acesso ao aparelho de Estado num próximo governo.

Estes quatro anos de teatro político, com estes parceiros em palco, são uma comédia em que até o ponto deve achar bizarra a farsa, mas decidiu assistir tolerante em nome da governabilidade, isto é, da arte de manter o poder a qualquer custo, para que Portugal tenha um Governo ainda que pondo em causa o presente e o futuro.

Este caso da lei de bases da saúde tem ainda outra faceta de vaudeville: a admissão de que toda a farsa é permitida à esquerda, perante uma plateia, que julgam eles, acabou de chegar de excursão ao Mayer. E outra conclusão ainda: que nada está consolidado, nada é estável e nada é previsível em Portugal. 

O crescimento do PIB não chegará este ano aos 2% e o investimento público e privado é uma tragédia no quadro comparativo com os restantes países da eurozona. Portugal tem hoje na base de sustentação política deste governo, e em permanente incubação, o pior reacionarismo portador de instabilidade e gerador de desconfiança, que ainda sonha recuperar o que perdeu com o 25 de Novembro de 1975 e a queda do Muro de Berlim. Quem investe num país com estas tentativas de retração totalitária, querendo impor a setores económicos a lógica de ideologias opositoras do mercado, em pleno séc. xxi?