Leonardo cientista e inventor. Um visionário incompleto?

Leonardo cientista e inventor. Um visionário incompleto?


Embora tenha ficado conhecido pelas suas pinturas, Leonardo foi acima de tudo um pesquisador insaciável, procurando soluções engenhosas e inesperadas para os problemas com que se deparava. Soluções por vezes tão diferentes de tudo o que existia, que por vezes os projetos só seriam concretizados muitos anos após a sua morte.


Quando em 1482 ofereceu os seus serviços a Ludovico Sforza, Leonardo da Vinci não escolheu apresentar-se como artista. Nessa carta, apareciam em primeiro lugar as suas qualidades como engenheiro militar, “mestre e artífice de instrumentos de guerra”. Listava então dez pontos, o primeiro dos quais dizia respeito a “planos para pontes muito leves, fortes e facilmente portáteis com as quais perseguir e, em algumas ocasiões, fugir do inimigo, e outras, resistentes e indestrutíveis, seja pelo fogo ou em batalha, fáceis e convenientes de levantar e colocar em posição. Também significa queimar e destruir aqueles do inimigo”.

Muitos questionam hoje que Leonardo, um pacifista convicto, que soltava os pássaros no mercado de Florença e provavelmente vegetariano, dedicasse tanto do seu engenho e das suas energias à guerra. “Uma das coisas mais difíceis de entender para os especialistas em Leonardo é o enorme contraste entre a sua repugnância pela capacidade humana para se massacrar a si própria e à natureza e o seu envolvimento na guerra”, considera Martin Kemp. No entender do historiador de arte britânico, “todos podemos acomodar contradições nas nossas vidas e ele também as teve”.

Paraquedas. Saltar na atmosfera

Em 1485 Leonardo fez um esboço de um paraquedas, junto ao qual escreveu: “Se um homem tiver uma tenda feita de linho cujas aberturas tenham sido todas fechadas, e que tenham doze braças de lado e doze de profundidade, será capaz de se atirar de qualquer grande altura sem sofrer qualquer lesão”. O paraquedas moderno só apareceria no final do século XVIII por Louis-Sébastien Lenormand, que fez uma demonstração pública do seu invento em 1783. Ainda assim, mesmo no início do século XX o mau funcionamento dos paraquedas ainda provocava acidentes fatais.

Carro blindado. Máquina de Guerra

Visto aos olhos atuais, este desenho parece uma cesta, mas na época seria uma arma temível e mortal. “Farei veículos cobertos, seguros e inatacáveis, que penetrarão o inimigo e sua artilharia, e não há um exército de homens armados tão grandes que eles não o atravessassem. E por trás disso a infantaria poderá segui-lo, sem ferimentos e desimpedida”, escreveu Leonardo a Ludovico Sforza na carta em que propunha os seus serviços. Estes veículos cobertos, de que deixou um desenho, foram um antecessor do tanque blindado.

Ponte de Gálata. Travessia para o sultão

Em 1502 Leonardo candidatou-se a um lugar na corte do sultão otomano Bayazid II. Na carta de apresentação, escreveu: “Soube que é sua intenção erguer uma ponte de Galata para Istambul… através do Corno de Ouro, mas isso não foi feito porque não havia especialistas disponíveis. Eu, seu servo, determinei como construir a ponte. Será uma ponte de alvenaria tão alta quanto um prédio, e até mesmo navios altos poderão navegar sob ela”. Em 2012, o Presidente turco anunciou a construção da ponte do Corno de Ouro segundo a conceção de Leonardo.

Escafandro. Respirar debaixo de água

Quase 500 anos antes de o oceanógrafo Jacques-Yves Costeau ter aperfeiçoado o escafandro autónomo, Leonardo, que dedicou grande parte da vida a estudar a água e os seus segredos, imaginou um dispositivo que permitia mergulhar por longos períodos. Era composto por um fato com uma máscara em pele, da qual saíam dois tubos que estavam ligados a uma boia à superfície.  Mais uma vez, o propósito era bélico: atacar os inimigos sorrateiramente debaixo de água.

Helicóptero. Voo em parafuso

 Leonardo era fascinado pelo voo, tentando, como muitos outros antes e depois dele, criar dispositivos que permitissem ao homem voar. “Se este instrumento feito com um parafuso for bem feito – isto é, feito de linho de que os poros são betumados com amido e girados rapidamente, fará sua espiral no ar e subirá alto”. Apesar de nos parecer pouco fiável, esta máquina voadora usava o mesmo princípio da física que os helicópteros atuais, que só seriam inventados na década de 40 do século XX.

Bicicleta. Pedalar para o futuro 

 O Codex Antlanticus, onde se encontra o esboço do escafandro, possui também o desenho de uma bicicleta, com sistema de transmissão do movimento e pedais, tal como as que conhecemos hoje. Terá o génio italiano antecipado em cerca de 400 anos esta invenção, que só surgiria nestes moldes em meados do século XIX? Aparentemente não. O especialista italiano Carlo Pedretti, que em 1961 analisou estas folhas, encontrou apenas garatujas de formas fálicas, aparentemente desenhadas por um discípulo de Leonardo. Assim, supõe-se que a bicicleta futurista do Codex Atlanticus seja um acrescento muito recente.