Da Vinci. Oito obras para compreender o mestre do Renascimento

Da Vinci. Oito obras para compreender o mestre do Renascimento


Leonardo deixou apenas cerca de vinte pinturas cuja autoria reúne consenso entre os especialistas. São tão poucas que se tornaram peças muito cobiçadas e protagonistas de histórias rocambolescas. A estas juntam-se as milhares de páginas de manuscritos e desenhos que permitem ver o seu pensamento em ação e que constituem obras de arte por direito…


O Homem Vitruviano
Galeria da Academia, Veneza

O romano Vitrúvio foi o autor do único Tratado de Arquitetura que nos chegou da Antiguidade, onde estabeleceu princípios de construção, de proporção e de harmonia dos edifícios. Este desenho de Leonardo coloca em prática as instruções dadas por Vitrúvio no seu tratado, segundo as quais, por exemplo, “o comprimento dos braços abertos de um homem  é igual à sua altura” ou “a distância entre o topo da cabeça e o fundo do queixo é um oitavo da altura de um homem”. Além de aplicar estas regras ao desenho da figura humana, Leonardo inscreveu-a também num círculo (cujo centro é o umbigo) e num quadrado, acentuando assim a importância da geometria e a sua relação com a harmonia das proporções humanas. O desenho ecoa ainda uma frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”.

Virgem dos Rochedos
Museu do Louvre

Existem duas versões muito semelhantes desta pintura, uma no Louvre, outra na National Gallery, de Londres. Crê-se que a primeira seja a original e a segunda uma ‘cópia’ que o próprio fez para satisfazer uma encomenda. Ambas mostram a Virgem, o menino Jesus, São João Batista e um anjo num cenário cheio de rochas. Leonardo, que era um estudioso da geologia, via nas rochas uma espécie de “estrutura óssea” do planeta que preenchia a mesma função que o esqueleto nos humanos. Ao mesmo tempo, as rochas eram para ele o símbolo de uma natureza selvagem e indómita. A atmosfera misteriosa da pintura, com uma fraca luminosidade, talvez possa ser relacionada com um episódio de infância de Leonardo, quando, num passeios pelos montes, ficou simultaneamente aterrado e fascinado pela entrada de uma gruta.

A Última Ceia
Igreja de Santa Maria Delle Grazie, Milão

Nesta obra pintada em 1495-96 para o refeitório do mosteiro de Santa Maria delle Grazie, Leonardo renovou de uma penada a iconografia deste tema bíblico. Em vez do esquema habitual, optou por dividir os apóstolos em dois grupos de seis, com Cristo ao centro. O momento retratado foi o da comoção provocada pelas palavras de Jesus: “Em verdade vos digo, que um de vós me trairá”. Os apóstolos encontram-se, assim, a discutir qual deles será o traidor que causará a morte do Senhor.

Devido às técnicas inovadoras utilizadas por Leonardo, que queria que a obra tivesse um grau de luminosidade que normalmente os frescos não tinham, a pintura ficou muito danificada e só à custa de sucessivos restauros, o mais recente dos quais em 1999, ainda podemos ter uma ideia da composição. No entanto, aquilo que subsiste do original é muito pouco.

Salvator Mundi
Coleção do Príncipe Salman da Arábia Saudita

Em novembro de 2017 atingiu o valor recorde de 450 milhões de dólares (400 milhões de euros) num leilão em Nova Iorque. Supostamente pintado por Leonardo em redor do ano 1500, terá pertencido às coleções do Rei Carlos I de Inglaterra, reaparecendo em 1763 no rol dos bens vendidos em leilão por um filho ilegítimo do primeiro duque de Buckingham. Esteve em parte incerta até 1900, quando foi adquirida pelo milionário Sir Francis Cook (proprietário do palácio de Monserrate, em Sintra) para a sua residência em Richmond, Londres. Em 1958, em mau estado e identificada como obra de um seguidor de Leonardo, atingiu o ponto mais baixo da sua reputação, mudando de mãos por umas meras 45 libras.

Até que, em 2005, aparece numa pequena leiloeira americana e é adquirida por um grupo de negociantes de arte e colecionadores, que durante cinco anos a sujeitam a um processo de restauro exaustivo. Em 2011 a obra é exposta na National Gallery, em Londres, como saída das mãos do mestre e em 2013 é adquirida por 127,5 milhões de dólares pelo oligarca russo Dmitry Rybolovlev. Julga-se que neste momento pertença às coleções do príncipe saudita Mohammed bin Salman, mas ninguém sabe do seu paradeiro.

Virgem da Roca
National Gallery of Scotland

Esta pintura sobre tábua, que se encontrava no castelo de Drumlanrig, na Escócia, em 2003 foi levada por dois ladrões que se fizeram passar por turistas e fugiram por uma janela com o quadro, entrando depois para um Volkswagen. Recebendo mais tarde uma proposta para a restituição da pintura, as autoridades marcaram uma negociação com os criminosos, depois de seis meses a convencer os bandidos de que eram agentes da seguradora. E alegaram que só podiam entregar o dinheiro pedido se a pintura fosse levada para a Escócia, o que veio a suceder. A polícia tomou de assalto o escritório de um advogado de Glasgow onde se encontravam os criminosos e ficou provado que tinham na sua posse outras quatro pinturas. O duque de Buccleuch, proprietário da obra, é que não chegou a assistir à sua recuperação, tendo morrido apenas um mês antes da operação policial. A pintura foi depois emprestada à National Gallery of Scotland, onde se encontra.

Codex Leicester
Coleção de Bill Gates

Para Kenneth Clark, os manuscritos de Leonardo constituem “um dos mais volumosos e completos registos que chegaram até nós de uma mente a trabalhar”. O Codex Leicester é uma boa prova disso: contém as reflexões de Leonardo sobre o motivo por que se podem encontrar fósseis nas montanhas; considerações sobre o movimento da água, a forma como esta contorna os obstáculos e conselhos sobre a construção de pontes; diagramas sobre a reflexão de luz na Lua. Em suma: mostram o espírito científico de Leonardo em pleno funcionamento. Trata-se no total de 18 folhas duplas contendo a famosa escrita em espelho de Leonardo e diagramas ilustrando as suas teorias. Em 1994 o Codex Leicester foi adquirido por Bill Gates, o fundador da Microsoft, por mais de três milhões de dólares, o que faz dele o livro mais caro de sempre.

La Gioconda ou Mona Lisa
Museu do Louvre

Tornou-se uma imagem tão icónica que temos já dificuldade em apreciá-la, mas quem a viu fora da redoma de vidro à prova de bala que hoje a protege diz que de perto a Mona Lisa ganha uma nova vida e uma fortíssima presença. Para Kenneth Clark, “a sua superfície tem a delicadeza de um ovo acabado de pôr”. Pintada cerca de 1503-1506, foi uma das três pinturas que Leonardo levou consigo para os últimos anos de vida em França, e por isso se encontra hoje no Louvre. Julga-se ser um retrato da esposa do mercador Francesco del Giocondo, daí o seu nome, que significa também “a sorridente” em italiano. O seu sorriso enigmático é aliás a sua característica mais marcante, comparável à adivinha da esfinge, que ninguém consegue decifrar. Kenneth Clark considerou-o o expoente máximo dessa vida interior que Leonardo procurava transmitir às suas obras. Em 1911 foi objeto de um célebre roubo por parte de um italiano que planeava devolvê-la ao seu país de origem.

Auto-Retrato
Biblioteca Ambriosana, Turim

A biografia de Vasari diz que Leonardo era tão bonito e gracioso que a sua beleza nunca poderia ser elogiada o suficiente. Mas não é isso que transparece aqui. Este auto-retrato feito a sanguínea (um lápis de tom avermelhado) mostra antes um homem velho e sábio, de longas barbas, longos cabelos e um olhar sereno e penetrante. Feito por volta de 1512, Leonardo teria na altura perto de 60 anos, mas parece talvez ainda mais velho. De provieniência desconhecida, sabe-se que foi adquirido em 1839 pelo rei Carlos Alberto de Sabóia a Giovanni Volpato por uma soma fabulosa. Alguns especialistas contestam que se trate de facto de um auto-retrato de Leonardo, mas tornou-se a imagem que todos associam ao mestre. Dada a fragilidade do papel, encontra-se quase sempre guardado num cofre nas caves da Biblioteca Ambrosiana, para não apanhar luz, e durante a Segunda Guerra Mundial foi enviado por precaução para Roma para não cair nas mãos dos nazis.