Há pelo menos dez anos que mais metade das 87 universidades e politécnicos privados “violam a lei” ao contratarem mais de metade dos seus professores através de recibos verdes e a tempo parcial. Ilegalidades que estão a ser seguidas em algumas das maiores universidades privadas do país, sendo também uma prática generalizada em algumas instituições de ensino superior privado mais pequenas.
A denúncia é avançada ao i pelo presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), Gonçalo Velho, que diz que “desde o início da legislatura” tem vindo a tentar reunir com o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Manuel Heitor, e com a Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado (APESP), presidida por João Redondo, para que seja regularizada a situação “precária” que afeta mais de dois terços do total de 7.500 professores das instituições de ensino superior privadas em Portugal.
De acordo com os dados recolhidos pelo SNESup – que têm como base os dados oficiais do Governo – são 44 as universidades e politécnicos privados, de norte a sul do país, que violam as normas em vigor no regime jurídico dos graus e diplomas no ensino superior. O número traduz 50,5% do total de instituições privadas.
Desde 2006 que a lei, através do regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, exige que cada universidade ou politécnico, público e privado, tenha, entre o total de professores, “um mínimo 60% de docentes integrados na carreira”. Ou seja, professores que tenham um vínculo aos quadros das instituições e a tempo inteiro.
Vazio legal Para Gonçalo Velho este é um cenário que resulta da falta de regulamentação do ensino superior privado. Ao contrário do que acontece para os docentes do ensino superior público, não existe um diploma que regule a carreira para quem dá aulas no privado. Ou seja, não estão definidas regras específicas para a contratação, carreira e progressão dos professores.
Em 2007, o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago – de quem o atual ministro Manuel Heitor era secretário de Estado – aprovou o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) que prevê que à falta de Estatuto dos Docentes para o Ensino Superior Privado sejam aplicadas as mesmas regras em vigor no ensino público.
No entanto, as regras nunca foram regulamentadas e as instituições evitam seguir o espírito da lei e têm vindo a contratar os docentes através de um mecanismo, os chamados contratos de docência, que viola o Código de Trabalho e a lei do graus e diplomas. Tratam-se de contratos de falsos recibos verdes, que passam pela prestação de serviços de forma regular e com horários fixos sem que sejam garantidos aos professores quaisquer direitos previstos no Código de Trabalho. É o caso da compensação por caducidade do contrato, por exemplo.
Há mais de 30 anos – desde o Governo de Cavaco Silva – que os professores do ensino superior têm vindo a reclamar junto de vários ministros para que seja corrigida a situação e exigindo que, “pelo menos, sejam cumpridas as regras de contratação previstas no Código de Trabalho”, alerta ao i Gonçalo Velho. Mas não tem havido resposta, salienta o dirigente do SNESup.
No início de 2018 o ministro Manuel Heitor anunciou que até ao final da legislatura ia criar o Estatuto Docente para o Ensino Superior Privado, regulamentando a carreira e fixando regras para a contratação. No entanto, até à data, a seis meses do final do mandato, nem o sindicato dos professores nem a APESP receberam qualquer proposta da tutela, garantem ao i Gonçalo Velho e João Redondo. O presidente da APESP disse ainda que em fevereiro foi entregue uma proposta à tutela sobre a qual, até à data, não receberam qualquer resposta nem qualquer convocatória para discutir o assunto.
Perante o silêncio da tutela os docentes estão a estudar várias formas de protesto, sendo já certo que a 10 de julho o SNESup vai organizar uma marcha nacional, em Lisboa.
O i questionou o MCTES sobre a existência de uma proposta da tutela para criar o Estatuto dos Docentes do Ensino Privado e sobre a data da apresentação de uma eventual proposta, mas, até à hora de fecho desta edição, não houve qualquer resposta.
Lusíada e Lusófona entre as que mais violam a lei Entre as instituições onde mais se encontram situações ilegais estão algumas das maiores universidades privadas do país.
A listagem recolhida pelo sindicato – a que o i teve acesso – revela que entre as instituições que mais violam a lei está, por exemplo, a Universidade Lusíada, cujo reitor João Redondo é também presidente da APESP. Nesta instituição de ensino superior, que é uma das maiores do país, foram detetados 152 professores a tempo parcial e com contratos a recibos verdes. Um número que traduz 60% do total de 252 docentes daquela instituição.
Também a Lusófona, no polo de Lisboa, e o Instituto Universitário da Maia (ISMAI) têm 51% do seu corpo docente com contratos a recibos verdes e a tempo parcial. No caso da Lusófona do total de 769 docentes são 395 os que estão nesta situação. No ISMAI dos 268 docentes há 159 com recibos verdes e a tempo parcial.
Mas há instituições mais pequenas, em termos do número de alunos e de professores, onde as práticas que violam a lei estão mais generalizadas. Na Escola Superior de Artes Decorativas quase todos os docentes estão em situação ilegal. De acordo com os dados do SNESup, entre os 33 docentes da instituição há 24 que estão com recibos verdes e a tempo parcial. São 97% dos docentes da instituição.
Segue-se o Instituto Politécnico da Maia com 66 dos 75 docentes em situação ilegal.