Em cinco anos, entre 2014 e 2019, os “distritos” de Castelo Branco e Guarda perderam 24 545 eleitores.
Esta a notícia conhecida depois de fechados os cadernos eleitorais pelo Ministério da Administração Interna, e publicados a 1 de março em Diário da República.
Feito o comparativo entre os recenseados para as eleições europeias deste ano e as últimas, realizadas em 2014, o distrito de Castelo Branco tem menos 11 948 eleitores (em 2014 eram 183 515), e o distrito da Guarda menos 12 597 eleitores (165 960 inscritos em 2014).
Que significam estes números numa leitura de representação de universos urbanos?
Que o equivalente a uma cidade de cerca de 25 mil habitantes, p.e. Lamego ou Portalegre, teria desaparecido do interior do país…
Confesso não saber a quem se deve endereçar esta realidade: se à ausência de políticas sustentadas neste Estado de “famílias”; se a departamentos supostamente especializados como a secretaria de Estado da chamada ”Valorização do Interior” (imagine-se a expressão…); seguramente, ao primeiro-ministro e ao governo da “frente”.
O governo e o primeiro-ministro têm, aliás, exibido bizarrias correlacionadas com este tema que vale a pena questionar. O primeiro-ministro chega a ser capaz de ir saudar iniciativas quando, antes, tudo fez para as inviabilizar e, depois da saudação, tudo faz para as repudiar.
Fiquei estupefacto quando, há dias, a pretexto do lançamento de navios em Viana do Castelo, António Costa participou em cerimónia com pompa e circunstância, depois de este governo e de o PS/PCP/BE tudo terem feito para que a concessão daqueles estaleiros nunca tivesse sido contratada a uma empresa privada.
O objetivo grandioso e averiguado da “frente” seria o de uma solução como na TAP, com a fatura de prejuízos de mais de 100 milhões de euros em pagamento pelo Estado este ano.
Mas depois da festa de Viana chegou o reafirmar da “coerência” hipócrita, com o PS a acompanhar os radicais de esquerda na Assembleia da República na recusa de um voto de congratulação e saudação à empresa e aos trabalhadores que relançaram a indústria naval em Viana. E perante estas duas posições vive a esquerda relapsa: coerência militante esquerdista na Assembleia da República contra tudo o que não é público; puro oportunismo nos festejos do lançamento, em tempo eleitoral, dos novos barcos em Viana.
Destas incoerências na submissão à ideologia esquerdóide castradora do desenvolvimento baseado em políticas sustentadas, permanentes e com objetivos de longo prazo na base da liberdade económica, se fazem os resultados de abandono do território, com despovoamento de uma parte substancial do país.
Nem podia deixar de ser assim.
Alguém conhece o ministro que se ocupa destes temas? E o secretário de Estado da “Valorização do Interior”, quando mostra novos investimentos e empresas pela sua específica ação pelo interior?
E quem retirou lições sérias sobre o que aconteceu em Pedrógão e Monchique?
E nesta campanha das europeias, quem já surpreendeu quanto ao território?
Onde está uma proposta séria para uma política de cidades, para o mundo rural, para a reindustrialização do país, para a recapacitação do ensino superior como fonte de progresso nestes territórios?
Quem tem a coragem de negociar com Bruxelas medidas de completa isenção fiscal para atração de investimento, isto é, de empresas, emprego, povoamento?
Quem sistemática e permanentemente decide fazer deste objetivo causa primeira do Estado português?
E como pode Portugal andar a pedir fundos comunitários a Bruxelas e o Portugal 2020 encerra o ano de 2018 com um desempenho pior que o do QREN, no ano homólogo comparável (2011)?
Segundo revelou o boletim trimestral do Portugal 2020, a taxa de execução do quadro comunitário foi de 33% no final de dezembro, um valor que compara com 39% no QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional no trimestre homólogo.
No entanto, a diferença é, na realidade, mais substancial porque nos boletins do QREN não eram tidas em conta as verbas para a agricultura e para as pescas.
Por isso, se for tida em conta apenas a despesa validada – usada no cálculo da taxa de execução – do Fundo Social Europeu, Fundo de Coesão e Fundo Europeu de De-senvolvimento Regional (Feder), a taxa de execução do Portugal 2020 desce para 29% contra os 39% do QREN, ou seja, uma diferença de dez pontos percentuais.
Mas se a estes montantes se retirarem os valores relativos ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) – 2,1 mil milhões de euros – e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (Feamp) – 68,12 milhões de euros –, a despesa validada desce para 6,26 mil milhões de euros, num envelope financeiro de cerca de 21 mil milhões de euros.
E aí está como o problema nacional do despovoamento não é apenas um problema de recursos, mas de políticas e de eficácia, de assunção do reequilíbrio territorial como um problema do Estado português para muitos anos.
À conta desta situação, distritos como Lisboa ou Braga “ganham” mais eleitores.
Tendo em conta que os dados apurados em dezembro de 2018 servem também para as eleições legislativas de outubro, feitas as contas, o círculo eleitoral da Guarda poderá perder um deputado para a Assembleia da República; Castelo Branco mantém a eleição de quatro deputados, mas recorde-se que já tinha perdido um em 2009; o distrito de Viseu poderá perder um deputado.
Com a perda de mandatos um pouco por todo o país, são Lisboa e Porto que ficam a ganhar, tendo em conta que aumenta o número de pessoas com direito de voto.
Vamos então votar daqui a pouco para uma Europa das regiões, deixando por cá um território nacional cada vez mais despovoado, mais desequilibrado, economicamente mais débil, sem pessoas, empresas, vida…
Que vale então a agenda de regulação normativa no acesso aos lugares pelas famílias partidárias, canseira em que se ocupam as instituições, do Presidente da República à Assembleia, passando pelo Governo, face ao estado a que chegámos de despovoamento da maior parte do país?
Jurista
Escreve quinzenalmente