Choque elétrico ao bolso dos consumidores


É um desastre tecnológico e económico, em que o mesmo Governo de António Costa desmente agora tudo o que Seguro Sanches garantira aos portugueses: que todas as novas potências intermitentes iam vender eletricidade em regime de mercado.


Após a pré-bancarrota a que o Governo Sócrates conduziu o país em maio de 2011, a única surpresa positiva foi a capacidade dos nossos empresários de bens transacionáveis de fazerem das tripas coração e, aumentando a sua competitividade, conseguirem conquistar quota de mercado no comércio internacional, fazendo com que a percentagem das exportações no PIB passasse de 27% em 2010 para cerca de 47% atualmente.

Foi uma evolução notável, mas trata- -se duma luta permanente para segurar clientes em que os fatores de competitividade, a começar pelos custos de energia, são fundamentais para se continuar a ter sucesso.

E entre os custos da energia, a eletricidade tem sido um elemento de grande vulnerabilidade desde que o Governo Sócrates concedeu, entre 2005 e 2011, o benefício das feed-in tariffs (FIT) a 6000 MW de potências intermitentes, ficando definido por lei que são os consumidores que suportam os respetivos sobrecustos.

Face aos 3900 MW de consumo em vazio, estes 6000 MW concedidos a potências intermitentes são um absurdo tecnológico que destrói qualquer lógica de mercado no sistema elétrico.

Foi isso que esteve na origem de os consumidores pagarem das eletricidades mais caras da Europa, nomeadamente as microempresas e as PME de bens transacionáveis, o que muito prejudica a respetiva competitividade na arena internacional.

E foi também esse absurdo jurídico- -tecnológico que esteve na origem da famosa “dívida tarifária” que pesa sobre todos os consumidores e que ainda hoje atinge os 3800 milhões de euros!

Esta grave situação do sistema elétrico foi, desde logo, um dos aspetos que a troika considerou essencial corrigir para se conseguir a sustentabilidade da economia portuguesa.

Por pressão da troika, e por se aperceberem da gravidade desta situação, os três secretários de Estado da Energia entre 2011 e 2018 abstiveram-se de conceder mais FIT a novos produtores elétricos intermitentes.

Mais. O anterior secretário de Estado Jorge Seguro Sanches do atual Governo de António Costa anunciou repetidamente que “todos os novos produtores eólicos e fotovoltaicos assinaram contratos em que se comprometiam a vender eletricidade a preços de mercado”.

E dado o alarme que ao mais alto nível europeu este “cocktail explosivo” entre FIT e potências elétricas intermitentes continua a causar, na Cimeira de Lisboa de 27 de julho de 2018, o Presidente Macron, da França, e os primeiros-ministros Pedro Sánchez e António Costa decidiram reforçar em 5500 MW as interligações elétricas entre França e a península Ibérica, com um apoio europeu de 578 milhões de euros.

Exatamente para se aumentar a eficiência global do sistema elétrico europeu e reduzir o efeito negativo das fontes intermitentes, nomeadamente em Portugal.

Mas agora, após o secretário de Estado Seguro Sanches ter sido demitido, o Governo decidiu atribuir novas FIT a mais de 4000 MW de potência eólica e a mais de 8000 MW de potência solar. E isto num país em que o consumo nas horas de vazio é de apenas 3900 MW!

E, ao mesmo tempo, indo contra as decisões da Cimeira de Lisboa, o Governo nada faz para concretizar o reforço das interligações elétricas então aprovado!

É um desastre tecnológico e económico, em que o mesmo Governo de António Costa desmente agora tudo o que Seguro Sanches garantira aos portugueses: que todas as novas potências intermitentes iam vender eletricidade em regime de mercado.

E, assim, os novos promotores intermitentes irão eliminar à partida a concorrência das centrais térmicas que estejam em mercado, pois as FIT garantem a quem delas beneficia que o acesso ao mercado lhes fica reservado e que os restantes nada podem fazer, mesmo que estejam dispostos a descer os preços para recuperarem os clientes que assim lhes são “roubados”.

E estas centrais assim prejudicadas são indispensáveis para estabilizar o sistema, face às intermitências eólicas e solares, e evitar os “apagões” .

Ou seja, os empresários dos bens transacionáveis, os que salvaram o país da “espiral recessiva” após a pré-bancarrota de 2011, vão ser agora e mais uma vez massacrados com preços de eletricidade ainda mais altos, a fim de que os produtores intermitentes possam investir com segurança, a rentabilidades muito confortáveis e ao abrigo da concorrência.

Destrói-se assim definitivamente qualquer veleidade de que o mercado de eletricidade funcione em Portugal nos próximos 20 anos, e adia-se indefinidamente o reforço das interligações elétricas de França com a península Ibérica, que ficou acordado na Cimeira de Lisboa com o Presidente Macron em 27 de julho de 2018.

Para acabar com políticas tão negativas, o leitor pode assinar a petição http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania.

 

Professor catedrático do Instituto Superior Técnico.

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”