O desgaste do Governo


O que António Costa conseguiu com esta remodelação foi criar um Governo ainda mais desgastado e fechado sobre si próprio. Felizmente para ele que continua a beneficiar da complacência do Presidente da República e do apoio dos partidos da geringonça.


António Costa tem fama de ser um político muito hábil, mas a sua habilidade resume-se essencialmente a organizar golpes palacianos. Não é um líder galvanizador para o país numa situação económica favorável e muito menos um primeiro-ministro capaz de conduzir o país numa situação de crise.

A sua habilidade para os golpes palacianos permitiu a António Costa defenestrar António José Seguro da liderança do PS e montar a geringonça para retirar o tapete a Passos Coelho, acabando com a tradição democrática de deixar formar Governo o partido mais votado. Mas, não obstante ter conseguido fazer aprovar quatro Orçamentos, a sua geringonça foi, desde o início, uma solução politicamente frágil. A sua longevidade resulta essencialmente de ter tido um Presidente da República altamente colaborante e de o PCP e o BE terem um verdadeiro pavor da possibilidade de regresso de Passos Coelho, pelo que nunca falharam ao Governo em qualquer votação decisiva. Esses partidos muito se arrependeram de terem reprovado o PEC4 proposto por Sócrates, pelo que nunca mais falharão ao PS num diploma importante, por muito calamitosa que esteja a ser a sua governação.

Sabendo disso, António Costa não se preocupou em criar um Governo abrangente e que fosse politicamente forte, preferindo antes formar Governo com o seu círculo restrito de fiéis, amigos e familiares dos amigos. Essa característica, que já era visível na primeira versão deste Governo, foi fortemente acentuada na última remodelação, em que o Governo praticamente se entrincheirou num núcleo cada vez mais restrito, onde a proximidade com os governantes, os seus familiares ou os amigos destes acaba por ser o critério de escolha decisivo para integrar o Governo. Em consequência, nessa remodelação foram substituídos ministros importantes, mas menos próximos de António Costa.

Essas saídas do Governo foram nalguns casos premiadas com exílios dourados em Bruxelas, mas mesmo essa escolha desfavorece o PS nas eleições europeias. Não se compreende a não inclusão como candidato de Francisco Assis, um dos maiores valores do PS, apenas por não ser próximo de António Costa. E por muito que este tenha prometido a Pedro Marques um lugar na próxima Comissão Europeia, é manifesto que o seu desempenho político como candidato a deputado europeu deixa muito a desejar. Não é por isso expectável que as próximas eleições europeias corram bem ao PS, onde já soaram os alarmes, levando António Costa a correr em auxílio do seu candidato.

Para além disso, os protestos de sectores descontentes não cessam, por muito que o Governo procure apaziguá-los. Na verdade, a partir do momento em que se abre a porta a satisfazer reivindicações dos mais variados sectores, aparecem sempre alguns que, com razão, se queixam de estarem a ser deixados para trás. Claro que o Governo pode aparecer com uma medida simpática, como a redução dos passes sociais, mas isso não parece suficiente para apaziguar os sectores descontentes. Apenas a cedência às exigências desses sectores o faria, mas isso implicaria contestar Mário Centeno, que tem controlado com mão de ferro a despesa deste Governo. Só que, devido ao reconhecimento internacional obtido por Mário Centeno, este é o único ministro que António Costa manifestamente não pode substituir.

Um primeiro-ministro faz habitualmente uma remodelação governamental para dar um novo fôlego ao seu Governo, preparando-o para os próximos embates eleitorais. O que António Costa conseguiu com esta remodelação foi criar um Governo ainda mais desgastado e fechado sobre si próprio. Felizmente para ele que continua a beneficiar da complacência do Presidente da República e do apoio dos partidos da geringonça, mas estes terão de marcar algum distanciamento, sob pena de serem sacrificados eleitoralmente. Catarina Martins já começou a fazê-lo, pedindo uma “reflexão” ao PS “para que os cargos públicos não sejam ocupados tendencialmente por um grupo de pessoas com muitas afinidades”. Cabe perguntar onde andou Catarina Martins nos últimos quatro anos para só agora estar a reparar nessa situação.

Quando um Governo se entrincheira num grupo de fiéis do primeiro-ministro, só pode perder o apoio dos eleitores. O Governo de António Costa está a entrar cada vez mais nesse estado, pelo que os próximos tempos lhe vão ser cada vez mais difíceis.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990