O preço da habitação,  parte 1

O preço da habitação, parte 1


Portugal é um país urbanisticamente desequilibrado, marcado por uma procura extremamente concentrada nas áreas metropolitanas


O elevado valor dos imóveis habitacionais nas principais áreas urbanas do país é uma evidência dolorosa para quem pretende usufruir dos mesmos, quer como proprietário ou arrendatário. Perante este facto, emergem duas dúvidas: essa subida de preços deve-se à falta de oferta ou à inflação desproporcionada de uma oferta adequada? Relativamente à primeira pergunta, a resposta é-nos dada pelo relatório “Property Index, Overview of European Residencial Markets”, elaborado pela Deloitte em 2016. Aqui se refere que “Portugal reporta o maior parque habitacional recalculado por 1000 cidadãos, excedendo a média europeia em mais de 15%. Os mercados residenciais em Espanha e Portugal parecem estar bastante saturados”. Esta evidência não é nova: já em 2003, o relatório “O Setor da Habitação em Portugal”, publicado pela Secretaria de Estado da Habitação, constatava que cerca de 550 mil alojamentos se encontravam vagos, concluindo-se que há muito tempo existe um historial de oferta adequada. Sendo assim, porque são as casas tão caras? Dois fatores são apontados como causadores dessa inflação: o imobiliário tornou-se atrativo para o investimento estrangeiro (seduzido pela “temporada de saldos” criada pela crise económica e as exigências privatizadoras da troika) e o aumento da procura turística internacional criou oportunidades inéditas de rentabilização em alojamento turístico (que extravasou do Algarve para destinos como Lisboa, Cascais ou Porto). Associado a estes fatores conjunturais emerge um importante fator estrutural: Portugal é um país urbanisticamente desequilibrado, marcado por uma procura extremamente concentrada nas áreas metropolitanas – a qual impede que os fluxos de capitais destinados ao investimento imobiliário sejam canalizados de forma homogénea para os muitos imóveis vagos que povoam o país. Não é, assim, de estranhar que o município com os preços habitacionais mais baixos (Boticas, com 118€/m2) e o município com os preços habitacionais mais altos (Lisboa, com 2315€/m2) se dissociem abismalmente do valor médio nacional de 600€/m2. Se há algo que acentua essa divergência de preços é a excessiva concentração e densificação de equipamentos, empregos, serviços, transportes e redes de infraestruturas nos principais centros urbanos do país, nomeadamente em Lisboa. Existe naturalmente quem advogue essa concentração de recursos por questões de competitividade e atratividade internacional. No entanto, essa opção competitiva tem consequências: se uma cidade portuguesa concentra em si todas as redes de transportes, universidades, hospitais, portos, comércio, polos tecnológicos e colégios do país para melhor poder competir com as suas congéneres estrangeiras no mercado global, o resultado dessas benfeitorias traduzir-se-á inevitavelmente no aumento exponencial do preço da habitação na sua área de influência e proximidade e, consequentemente, no depauperamento de todas aquelas zonas do país que ficam excluídas ou afastadas da mesma. O desafio das políticas de ordenamento e planeamento urbano consiste em encontrar melhor equilíbrio na redistribuição desses recursos para que o sistema urbano possa funcionar de forma simbiótica, e não parasitária. Só assim se poderão repor padrões de equidade à escala nacional (no acesso ao emprego, saúde, educação, habitação, etc.) que agora estão subjugados à necessidade de fazer Lisboa brilhar no panorama internacional.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente