O descontentamento com os partidos tradicionais abriu o mercado eleitoral à novidade partidária. Por Espanha, o PSOE viu nascer, crescer e minguar o Podemos (mesmo depois da coligação com a Izquierda Unida, que se traduziu em menos votos do que a soma dos dois partidos…). Juntos, não chegam aos 40% de intenções de voto nas sondagens, o que não permite obter uma maioria parlamentar. Anteontem, depois de ter borregado o apoio dos partidos autonomistas, nem sequer chegou para aprovar o orçamento de Estado para 2019. Pedro Sánchez, que em Maio de 2018 tinha conseguido apear Rajoy, não celebrará um ano no Palácio da Moncloa.
A perda de força dos partidos tradicionais também chegou ao PP, entalado agora entre o Ciudadanos (que de catalão passou a partido nacional) e o Vox. Com ele ressuscitou um leque de eleitores adormecidos que se contentavam com a viuvez do franquismo e a custo, mas nem sempre, saíam de casa para votar no PP. O referendo independentista catalão funcionou como catalisador de um nacionalismo envergonhado que ganhou voz eleitoral. De acordo com as sondagens, o PP andará pelos 21%, o Ciudadanos pelos 18% e o Vox pelos 11%. Mesmo sem prémio de maioria, chega e sobra para fazer uma frente nacionalista e de direita.
Acabou o rotativismo entre PSOE e PP, com maiorias parlamentares claras (ainda que muitas vezes dependendo do apoio dos partidos autonómicos). O tempo dos parlamentos dóceis e dos governos politicamente fortes acabou. O futuro surge sob a forma de coligações multipartidárias e das respectivas tropelias parlamentares. Um futuro governo espanhol que junte PP, Ciudadanos e Vox fará do actual governo italiano (nominalmente chefiado por Conte e formalmente partilhado entre Salvini e Di Maio) um relógio suíço… Da mesma forma que Salvini não se limitou a ser o junior partner do governo e conseguiu, em menos de seis meses, duplicar as expectativas de voto na Lega (que já foi Nord), reduzindo Salvini à condição de futuro líder menos votado, também o Ciudadanos sonha com a ultrapassagem do PP.
Por cá, a frente de direita colocou escritos nas janelas e muitos são os candidatos à entrada no albergue lusitano de onde venha a sair uma geringonça “às direitas”: Aliança, Chega, Democracia 21, Volt, Iniciativa Liberal, Partido Libertário (? passe a contradição…) e os que por estes instantes descem a Rua do Século, em passo de corrida, em direcção à Secretaria do Tribunal Constitucional, com o propósito de se legitimarem aos olhos da lei.
A geringonça lusa e de direita é um sonho húmido partilhado por muitos catequistas da observação política. Mas sofre de um problema básico, identificado nas imorredoiras palavras de Zsa Zsa Gabor: “Macho does not prove mucho.” Mesmo que os novos partidos mobilizem eleitores que jazem nos braços da abstenção, a geringonça de direita não chega à maioria. E, não chegando à maioria, os novos partidos que consigam eleger deputados na noite de 6 de Outubro olharão com gula para a geringonça existente. A mesa do Orçamento é sempre farta para quem não tem lá assento. As etiquetas do preço pago ao Bloco e pelo PCP pela participação na geringonça são suficientemente visíveis para promoverem um leilão holandês por parte dos futuros eleitos que queiram tomar-lhes o lugar.
A época de saldos políticos já começou e durará para lá de dia 6 de Outubro.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990