“The Kindness of Strangers”, o filme com que a dinamarquesa Lone Scherfig conta “a história de quatro pessoas a sofrerem as piores crises das suas vidas”, será muito mais do que o título com que abre oficialmente, já na quinta-feira, o 69.º Festival de Cinema de Berlim: protagonizado por Zoe Kazan e Andrea Riseborough, é uma escolha que vem cumprir o mote desta que será a última edição dirigida por Dieter Kosslick que, terminada esta edição, se reforma ao final de 17 anos à frente da Berlinale. Político como se tem afirmado, o festival move-se este ano em torno da diversidade.
“Há anos que empresas e instituições culturais à volta do mundo se debatem com as questões da inclusão e da igualdade de direitos. Mais recentemente, com o movimento #MeToo e novos conceitos como ‘inclusion riders’, a urgência destes tópicos chegou também à indústria do cinema”, diz o comunicado com que é apresentada a 69.ª edição do festival, que nota como vários estudos têm provado que “os filmes beneficiam da diversidade de muitas formas – do processo criativo à distribuição e à forma como são recebidos pelo público”. A questão da inclusão não é, portanto, “um fator social apenas, mas também um pré-requisito para o sucesso”.
A escolha de um filme realizado por uma mulher não terá sido acaso, e provas não hão de faltar na programação – dos 17 filmes selecionados para a Competição, sete são realizados por mulheres – mas não só. Ao festival que nas últimas duas edições entregou o Urso de Ouro a realizadoras – em 2018, a Adina Pintilie com “Touch Me Not”, no ano anterior, a Ildiko Enyedi, por “Corpo e Alma” – chega em 2019 um júri presidido pela atriz Juliette Binoche e composto por outras três mulheres (a atriz Sandra Hüller, de “Toni Erdman”, Rajendra Roy, do MoMA de Nova Iorque, e a atriz, realizadora e produtora Trudie Styler), e dois homens (o crítico de cinema do “Los Angeles Times” Justin Chang e o chileno Sebastián Lelio, realizador de “Uma Mulher Fantástica”).
Paralelamente à programação dos filmes selecionados para as várias secções, o festival – que foi, de resto, o primeiro a entregar o Urso de Prata a uma atriz negra, Halle Berry, em 2001, por “A Última Ceia”, e ainda a uma atriz negra africana, quando Rachel Mwanza interpretou uma miúda de rua congolesa em “Rebelde” – dedica uma série de iniciativas paralelas à questão da diversidade. E paridade haverá também nas figuras que serão homenageadas com a Berlinale Camera deste ano: Agnès Varda, a realizadora belga de 90 anos cujo “Vagna by Agnès” é exibido fora de competição, Sandra Schulberg, Wieland Speck e Herrmann Zschoche.
O cinema português Depois de em 2017 Teresa Villaverde ter estreado o seu último filme, “Colo”, na competição, esta será a segunda edição em que o cinema português fica de fora da principal secção do festival que no passado premiou realizadores como Miguel Gomes, João Salaviza, Leonor Teles e Diogo Costa Amarante – os últimos distinguidos em anos consecutivos com o Urso de Ouro de uma competição de curtas que, ao fim de várias edições a fazer do cinema português um dos pratos principais, este ano servirá apenas “Past Perfect”, de Jorge Jácome, o realizador de “Flores”.
Na secção paralela Forum, que nas últimas edições tem estreado filmes de realizadores como André Gil Mata, Sandro Aguilar, Salomé Lamas, Filipa César, entre outros, são exibidos “A Portuguesa”, de Rita Azevedo Gomes (“Correspondências”), e “Serpentário”, de Carlos Conceição, que depois de “Coelho Mau”, estreado na Semana da Crítica de Cannes e distinguido no ano passado com o Sophia de Melhor Curta-metragem, se estreia com este filme, de novo protagonizado por João Arrais, na longa-metragem. No Forum Expanded, Susana Sousa Dias, realizadora de “48” e “Luz Obscura”, estreia o seu novo filme: “Fordlandia Malaise”.
Mas nem só de cinema se fará desta vez a representação portuguesa na 69.ª Berlinale. Ivo M. Ferreira, que em 2016 estreou na Competição o seu “Cartas da Guerra”, regressa, desta vez à secção Drama Series Days dos Market Secreenings, para apresentar à indústria a série de televisão que há de estrear na RTP1: “Sul”. No DOC Station da Berlinale Talents participa João Vieira Torres com o seu projeto “Aurora”.
Terminados os seus últimos dez dias à frente da Berlinale, Kosslick passa o testemunho, a partir da próxima edição, ao italiano Carlo Chatrian, ex-diretor do Festival de Cinema de Locarno, e à holandesa Mariette Rissembeek, ex-diretora de German Films.