Ambiente à la carte


Este é o Estado que é capaz de produzir relatórios contendo insanidades descritivas e prolixas de natureza ambiental, na base de um exagero ridículo averiguado.


Depois de três anos de inércia e aproximando-se um ano de eleições, o governo terá decidido avançar para a resolução do problema da saturação do aeroporto de Lisboa, anunciando o aproveitamento da base do Montijo como estrutura complementar e revelando mesmo a próxima celebração de compromisso com a empresa concessionária do setor.

Não é fácil ter opinião sobre onde se deve localizar um aeroporto, uma barragem, uma ponte. Mas para isso existem especialistas, que se pretendem desligados de interesses outros que não sejam os do público, para fixar orientações e preparar decisões.

Foi por esta razão que fiquei surpreso com o anúncio, já que, em debate que teve lugar na televisão pública, técnicos de reconhecida competência e idoneidade verberaram esta opção com argumentos de vária natureza que me pareceram muito sólidos.

E a verdade é que nenhum governo deve tomar decisões de ânimo leve sobre uma tal estrutura para validar a sua proficuidade e capacidade de resposta para um horizonte de 40/50 anos.

Estava longe era de imaginar que uma tal estrutura, depois de merecer estas reservas, pudesse ter do ministro do Planeamento e das Infraestruturas a relativização inesperada quanto a questões ambientais.

Dizia ele esta semana que vai avançar para a formalização do compromisso e que depois se verá se o relatório final do estudo de impacte ambiental apresenta alguma condicionante de relevo que deva ser mitigada com medidas adequadas.

Já o ministro do Ambiente e da Transição Energética veio declarar em outubro que o que está em causa não é a localização, já consumada, mas apenas o impacto ambiental da solução escolhida, mostrando a maior distensão quanto ao impacte ambiental que não está avaliado.

Finalmente, o primeiro-ministro declarou já em setembro que a solução aeroportuária para Lisboa “era manter a Portela e juntar-lhe uma resposta no Montijo”. Donde resulta, concatenando todas estas posições, que em Portugal se decide a localização de um aeroporto, não por razões técnicas acima de qualquer suspeita, mas por razões estritamente políticas, se a obra é da administração central.

No mesmo país em que nenhuma empresa, nenhuma autarquia, nenhuma IPSS se imaginaria a avançar com uma obra sem que as questões ambientais e os seus prestimosos vigilantes não estivessem atentos a declarações de indiferença às questões ambientais, como as que reproduzimos. O mesmo se diga dos tribunais e das instâncias inspetivas.

Quanto autarcas não foram considerados venais por meras contraordenações, tantas das vezes responsabilizando-os por iniciativas de terceiros, por edificações a que quiseram dar enquadramento legal com integração a posteriori na ordem jurídica de ordenamento do território e de instrumentos de planeamento em vigor? Ou empresas que se veem fustigadas por um fundamentalismo ambiental de emergência, com casos a que faltaria espaço para a sua inventariação?

Ainda há dias, a CCRC/Centro e o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas chumbaram a colocação de um tapete rolante da escola da estância de esqui da serra da Estrela, com uma extensão de cerca de 150 metros por 3 de largura, tendo a entidade em causa sido notificada do respetivo processo de contraordenação e ordenado o levantamento do tapete. A estrutura permitiu alargar a prática dos desportos de inverno a crianças a partir dos três anos, aumentando a capacidade de transporte de 250 para 1680 pessoas por hora.

A declaração de impacte ambiental explica que o tapete (450 m2, imagine-se…) “condiciona” totalmente a vegetação nos mais de 300 m2 de construção, bem como muitas centenas de metros quadrados à volta afetados pelas descidas (?) dos esquiadores, numa “elevada pressão sobre a vegetação e inibição da sua regeneração natural”.

Este é o Estado que é capaz de produzir relatórios contendo insanidades descritivas e prolixas de natureza ambiental, na base de um exagero ridículo averiguado. O mesmo Estado que permite a deposição de lamas contaminadas do Tejo em área protegida; o mesmo Estado que relativiza o estudo de impacte ambiental quanto às dragagens do Porto de Setúbal que afetam os golfinhos e a recarga de areia nas praias em Troia; o mesmo Estado que esquece o impacte ambiental das pedreiras de Borba, que depois matam cidadãos indefesos.

Quando agora se ouvem os governantes usarem as questões ambientais do aeroporto do Montijo com vários pesos e muitas medidas, percebe-se a reputação global a que chegou este Estado: sem credibilidade perante os cidadãos.

 

Escreve quinzenalmente


Ambiente à la carte


Este é o Estado que é capaz de produzir relatórios contendo insanidades descritivas e prolixas de natureza ambiental, na base de um exagero ridículo averiguado.


Depois de três anos de inércia e aproximando-se um ano de eleições, o governo terá decidido avançar para a resolução do problema da saturação do aeroporto de Lisboa, anunciando o aproveitamento da base do Montijo como estrutura complementar e revelando mesmo a próxima celebração de compromisso com a empresa concessionária do setor.

Não é fácil ter opinião sobre onde se deve localizar um aeroporto, uma barragem, uma ponte. Mas para isso existem especialistas, que se pretendem desligados de interesses outros que não sejam os do público, para fixar orientações e preparar decisões.

Foi por esta razão que fiquei surpreso com o anúncio, já que, em debate que teve lugar na televisão pública, técnicos de reconhecida competência e idoneidade verberaram esta opção com argumentos de vária natureza que me pareceram muito sólidos.

E a verdade é que nenhum governo deve tomar decisões de ânimo leve sobre uma tal estrutura para validar a sua proficuidade e capacidade de resposta para um horizonte de 40/50 anos.

Estava longe era de imaginar que uma tal estrutura, depois de merecer estas reservas, pudesse ter do ministro do Planeamento e das Infraestruturas a relativização inesperada quanto a questões ambientais.

Dizia ele esta semana que vai avançar para a formalização do compromisso e que depois se verá se o relatório final do estudo de impacte ambiental apresenta alguma condicionante de relevo que deva ser mitigada com medidas adequadas.

Já o ministro do Ambiente e da Transição Energética veio declarar em outubro que o que está em causa não é a localização, já consumada, mas apenas o impacto ambiental da solução escolhida, mostrando a maior distensão quanto ao impacte ambiental que não está avaliado.

Finalmente, o primeiro-ministro declarou já em setembro que a solução aeroportuária para Lisboa “era manter a Portela e juntar-lhe uma resposta no Montijo”. Donde resulta, concatenando todas estas posições, que em Portugal se decide a localização de um aeroporto, não por razões técnicas acima de qualquer suspeita, mas por razões estritamente políticas, se a obra é da administração central.

No mesmo país em que nenhuma empresa, nenhuma autarquia, nenhuma IPSS se imaginaria a avançar com uma obra sem que as questões ambientais e os seus prestimosos vigilantes não estivessem atentos a declarações de indiferença às questões ambientais, como as que reproduzimos. O mesmo se diga dos tribunais e das instâncias inspetivas.

Quanto autarcas não foram considerados venais por meras contraordenações, tantas das vezes responsabilizando-os por iniciativas de terceiros, por edificações a que quiseram dar enquadramento legal com integração a posteriori na ordem jurídica de ordenamento do território e de instrumentos de planeamento em vigor? Ou empresas que se veem fustigadas por um fundamentalismo ambiental de emergência, com casos a que faltaria espaço para a sua inventariação?

Ainda há dias, a CCRC/Centro e o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas chumbaram a colocação de um tapete rolante da escola da estância de esqui da serra da Estrela, com uma extensão de cerca de 150 metros por 3 de largura, tendo a entidade em causa sido notificada do respetivo processo de contraordenação e ordenado o levantamento do tapete. A estrutura permitiu alargar a prática dos desportos de inverno a crianças a partir dos três anos, aumentando a capacidade de transporte de 250 para 1680 pessoas por hora.

A declaração de impacte ambiental explica que o tapete (450 m2, imagine-se…) “condiciona” totalmente a vegetação nos mais de 300 m2 de construção, bem como muitas centenas de metros quadrados à volta afetados pelas descidas (?) dos esquiadores, numa “elevada pressão sobre a vegetação e inibição da sua regeneração natural”.

Este é o Estado que é capaz de produzir relatórios contendo insanidades descritivas e prolixas de natureza ambiental, na base de um exagero ridículo averiguado. O mesmo Estado que permite a deposição de lamas contaminadas do Tejo em área protegida; o mesmo Estado que relativiza o estudo de impacte ambiental quanto às dragagens do Porto de Setúbal que afetam os golfinhos e a recarga de areia nas praias em Troia; o mesmo Estado que esquece o impacte ambiental das pedreiras de Borba, que depois matam cidadãos indefesos.

Quando agora se ouvem os governantes usarem as questões ambientais do aeroporto do Montijo com vários pesos e muitas medidas, percebe-se a reputação global a que chegou este Estado: sem credibilidade perante os cidadãos.

 

Escreve quinzenalmente