Yoani Sánchez. “A repressão continua, junto com a intolerância política”

Yoani Sánchez. “A repressão continua, junto com a intolerância política”


Afirma que as mudanças por agora são só cosméticas e que Díaz-Canel recebeu o país de mãos atadas


Durante anos manteve um blogue que lhe deu fama internacional, o Generación Y, que lembra toda uma geração de cubanas e cubanos como ela, que tem agora 43 anos. Os filhos da revolução, muitos deles, como ela, com nomes começados por y. Yoani Sánchez passou a ser conhecida como o rosto de uma jovem geração de dissidentes no interior de Cuba. O blogue ganhou vários prémios internacionais de jornalismo ao longo dos anos. Filóloga e jornalista, criou em 2014 o jornal digital 14ymedio,  “fruto da evolução de uma aventura pessoal que se transformou num projeto coletivo”. Foi desde Havana que aceitou responder às perguntas do i por email.

Passados 60 anos, o que resta de importante do ideal revolucionário?

Embora esta pergunta contenha três palavras que podem ser discutidas – importante, ideal, revolução – poderia dizer-se que, da agenda inicial do processo revolucionário, resta apenas a vontade de manter uma política baseada nos princípios da justiça social, mas com o esclarecimento de que o que se fizer nesse sentido deve ser sustentável. A isso, acrescenta-se o objetivo marcante de manter o poder e, para isso, a nova Constituição ratifica a preponderância do partido único como força dirigente e a posição de não ceder a pressões externas, em especial do governo dos Estados Unidos. 

A revolução continua a ser importante para as novas gerações?

O sistema, o governo, a revolução, ou simplesmente “isto”, comportou-se como a atmosfera em que cresceram já três gerações de cubanos. Tudo depende do que “isto” decida e, nesse sentido, claro que é importante, o que não significa que a revolução seja aceite com entusiasmo pelos mais jovens, entre os quais abunda (ou prevalece) a intenção de emigrar.

Que mudanças aconteceram agora que os Castro não estão no poder?

Ao general de divisão Raúl Castro, se a biologia lhe permitir, ainda lhe restam mais dois anos no cargo de primeiro secretário do Partido Comunista. Em abril de 2021, quando lhe faltarem apenas dois meses para cumprir 90 anos de idade, deixará esse cargo, provavelmente, a Miguel Díaz-Canel. Assim o anunciou. De maneira que “os Castro” permanecem no poder. A melhor prova disso é que Raúl Castro presidiu à comissão que escreveu a próxima Constituição da República. Neste tempo em que Raúl Castro deixou de ser nominalmente o presidente do país aconteceram mudanças mais cosméticas que reais: surgiu a figura de uma primeira-dama que acompanha Díaz-Canel, os ministros criaram contas no Twitter e o novo governante percorre em mangas de camisa as povoações do país, mas a repressão continua, juntamente com a intolerância política e o castigo para os que pensam de forma diferente.

O que se pode esperar de Miguel Díaz-Canel?

De Miguel Díaz-Canel, os otimistas esperam que um dia tire a máscara, como fizeram Gorbachov e mais ainda Yeltsin. Mas, isso, só acontecerá quando tiver que cumprir o seu segundo mandato, supostamente em 2023, sendo já primeiro secretário do Partido Comunista e, muito provavelmente, quando já não reste ninguém vivo da chamada geração histórica da revolução. No entanto, desde que assumiu o poder, em abril de 2018, a ideia que mais repetiu é a do seu compromisso em manter a continuidade do processo.

Há possibilidades de abertura do regime com ele?

As aberturas que entram no domínio do imediatamente possível estão relacionadas com os direitos económicos. O chamado setor não estatal da economia, conhecido também como “contrapropistas”, tem cada dia que passa um papel mais importante e as suas vozes reclamam a instauração de um mercado grossista, o direito de importar e exportar e, sobretudo, uma política fiscal que não os vampirize e lhes permita crescer. A questão dos investimentos estrangeiros é determinante para o desenvolvimento do país e os investidores também exigem novas condições para arriscar o seu dinheiro. Por outro lado, tanto os cubanos que vivem fora do país, como os que vivem dentro, reivindicam que se lhes permita investir na Ilha.

Que modelo político e económico se irá aplicar no futuro? Já se pode ter noção?

O modelo já está estabelecido de forma taxativa nos documentos fundamentais: a nova Constituição, que deverá entrar em vigor em 2019, e a chamada “Conceptualização do modelo económico e social”, a que se somam as “diretrizes do 7.º Congresso do partido”. Os três documentos repetem a ideia da “irrevogabilidade do socialismo”. Raúl Castro entregou o cargo de presidente e irá entregar a direção do PCC a Díaz-Canel, que tem as mãos completamente atadas.

O facto de ser o primeiro presidente que não viveu a revolução muda a relação com o passado e a forma de ver o futuro?

O que Díaz-Canel não viveu foi a etapa insurrecional da revolução, mas cresceu a ouvir os discurso de Fidel Castro e a participar, em papéis mais ou menos protagonistas, nas “tarefas da revolução”. Se não fosse assim não seria “o eleito”. Educou-se tendo Che Guevara como modelo e ultrapassando disciplinadamente todas as provas ideológicas que lhe permitiram passar o crivo.

As mudanças constitucionais agora introduzidas reafirmaram o socialismo e a revolução em Cuba. Perdeu-se uma oportunidade de levar a cabo outras mudanças?

É preciso ver o que irá acontecer no próximo dia 24 de fevereiro, quando a Constituição for submetida a referendo. Se triunfar o “não”, os cubanos terão aproveitado a única oportunidade que lhes foi dada em muitos anos. Hoje prevalece a ideia de que ganhará o “sim” e toda a propaganda do governo está apontada nessa direção.

Como está a questão dos presos políticos?

Segundo o governo de Cuba não há presos políticos, mas a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional tem 120 nomes registados de acordo com essa classificação. A maioria destas pessoas foi processada por delitos comuns, como resistência à prisão, escândalo público ou atentado contra os agentes da ordem. Dessa forma, o governo disfarça a repressão dos opositores. As condições de vida nas prisões são habitualmente duras para estes ativistas, que se veem submetidos à suspensão da visita dos seus familiares e a isolamento em celas de castigo.

Depois de uma nova era nas relações com os Estados Unidos, durante o mandato de Barack Obama, as coisas mudaram com Donald Trump. Miami voltou a ter influência nas decisões de Washington? O que pode acontecer? Voltar às más relações de antes?

A “nova era” com Barack Obama durou pouco tempo. Praticamente desde que o mandatário dos EUA apanhou o voo de regresso depois de visitar Cuba que se desatou nos média oficiais cubanos uma campanha para o desacreditar, acusando-o de pretender alcançar o fim da revolução por outros meios. Donald Trump tornou à linguagem agressiva e prometeu voltar atrás em todas as medidas tomadas pelo seu antecessor, mas, na prática, não houve grandes mudanças. A mais significativa foi o encerramento parcial das embaixadas de ambos os países em consequência de um incidente em que uma série de diplomatas relatou ter sido vítima de danos físicos por causa de um suposto “ataque acústico”. Como se sabe, o tema cubano tornou-se muitas vezes assunto de interesse eleitoral, sobretudo na Florida, mas a influência dos grupos anticastristas radicados em Miami não tem a mesma importância de anos anteriores, porque agora têm de competir com os fazendeiros norte-americanos que querem comercializar com Cuba ou as empresas de telecomunicações desejosas de dominar o mercado cubano.

O Brasil tem agora um presidente muito hostil a Cuba, com vontade de construir alianças com os países latino-americanos que têm governos de direita. O que acha que vai acontecer no futuro próximo na relação de Cuba com os outros países latino-americanos?

A hostilidade de Jair Bolsonaro manifesta-se em relação ao governo cubano, porém, até agora, não manifestou nenhuma rejeição pelo povo da Ilha. Por outro lado, o futuro das relações do governo de Cuba com o resto da América Latina depende do equilíbrio político sempre em mudança da região. Não só pela subida ao poder de políticos de direita, como no caso da Argentina, Brasil e Chile, mas também pelas mudanças ocorridas no Equador e a crise que enfrentam Venezuela e Nicarágua.