“Noite feliz” faz 200 anos. Curiosidades da canção que parou uma guerra

“Noite feliz” faz 200 anos. Curiosidades da canção que parou uma guerra


A canção de Natal criada por um padre de província e um organista tornou-se uma das canções de Natal mais populares. Há 100 anos parou a guerra por uma noite


Jens Lekman e Annika Norlin passaram este ano a enviar canções um ao outro como cartas, ele nos meses ímpares e ela nos ímpares. Tudo para fazer um álbum chamado adequadamente “Correspondence” com quantas canções o ano tem de meses. Annika terminou o projeto este dezembro com uma canção que recorda a história de “Silent Night”. Uma delicada construção de voz e guitarra que homenageia esse pequeno hino à paz e à esperança saído de tempos de trevas, que completa esta véspera de Natal 200 anos desde que foi tocado pela primeira vez.

A canção a que o padre austríaco Josef Mohr deu letra e o seu amigo organista Franz Xaver Gruber a música, emergida das marcas das guerras napoleónicas, em tempo de pobreza, insegurança, incêndios, inundações e fome tornou-se popular e um dos temas musicais mais identificáveis. A tal ponto que conseguiu parar por uma noite a Grande Guerra. Ficou conhecida pela Trégua de Natal, o armistício informal na Frente Ocidental na véspera de Natal de 1914, quando soldados alemães, escoceses e franceses partilharam uma noite na terra de ninguém, trocaram presentes e comida, e entoaram canções natalícias. Apenas uma música era conhecida por todos, cada um no seu idioma: o “Stille Nacht”, “Silent Night”, “Douce Nuit”.

A partir desse pequeno episódio humano numa guerra desumanamente mortífera fez o compositor americano Kevin Puts uma ópera em 2011, que ganhou um Pulitzer para a música no mesmo ano (o libreto é de Mark Campbell). Como não podia deixar de ser, chama-se “Silent Night”, e este mês foi encenada no Reino Unido pela primeira vez, forma de assinalar o centenário do primeiro conflito mundial que deixou um rasto de nove milhões de soldados e sete milhões de civis mortos.

A dimensão musical da ópera e a quantidade de pessoas envolvidas (que quase abarrotavam o Town Hall de Leeds) estão tão distantes da simplicidade da estreia na igreja de São Nicolau, Obderndorf, como a Áustria que emergia das guerras napoleónicas está para a Europa de hoje. E a simplicidade do próprio tema, razão para a sua popularidade ter perdurado por 200 anos. Como canta Annika Norlin: “Eles faziam ideia que ‘Silent Night’ se tornaria em ‘Silent Night’.”

Ao longo destes 200 anos muita gente gravou, inúmeros interpretaram, quase todos trauteámos alguma vez. Ninguém vendeu mais do que Bing Crosby. Ninguém o gravou melhor do que Frank Sinatra. E há ainda quem volte ao tema, mesmo os mais insuspeitos. Os Paralamas do Sucesso, banda rock brasileira ativa desde 1982, acaba de lançar um EP com quatro temas de Natal e um deles é o “Silent Night”, em versão instrumental, que começa com órgão à Beatles do “Sgt. Peppers”, passa um jeito de marchinha com leves toques de rock barrial, sopros em surdina e nunca quer ir muito além de música ambiental para festa de consoada.

Desde 2011, a canção é património cultural imaterial da UNESCO e, este ano, o Brasil resolveu até emitir um selo dos correios em homenagem ao bicentenário, em formato de estrela de oito pontas, símbolo da ligação entre o físico e o espiritual. Reproduzidas estão as figuras de Franz Gruber a tocar guitarra e de Josef Mohr a escrever a letra, com fundo da partitura. O título, no canto inferior direito, está em dois idiomas, no alemão do original “Stille Nacht, 200 Jahre” e “Noite Feliz, 200 anos”.