Na terça-feira, os trabalhadores da empresa de criação de conteúdos televisivos Plural Entertainment (GPE), que integra o Grupo Media Capital, iniciaram uma greve parcial que durará até 10 de dezembro, em reivindicação por melhores condições de trabalho. Em Portugal é a primeira greve com estas características numa produtora com esta dimensão e poder.
Mas não é caso inédito no setor. Em 2007, uma greve de argumentistas norte-americanos paralisou as principais séries e programas de televisão norte- -americanos. Durante 14 semanas, apresentadores de programas lendários como Conan O’Brien, David Letterman, Jon Stewart ou Jay Leno ficaram sem nada para dizer, e personagens míticas da ficção como Sheldon (“Big Bang Theory”) ou Dr. House deixaram de existir por não terem quem lhes desse vida.
De repente, o mundo apercebeu-se de que há trabalhadores através do fantasioso glamour da televisão. E porque eles pararam, uma das maiores indústrias do mundo perdeu milhões. É uma relação de forças difícil. É o poder desmesurado dessa indústria que torna as greves um fenómeno tão raro. Nos Estados Unidos contam-se por pouco mais do que os dedos de duas mãos as greves que afetaram o setor desde 1941, quando os animadores da Disney pararam de fazer bonecada durante quatro semanas pelo direito à sindicalização no estúdio. Walt Disney despediu uns quantos e imortalizou outros em caricaturas de palhaços no filme “Dumbo”, mas não se livrou de protagonizar a primeira de um punhado de greves na história de Hollywood.
É evidente a desproporção entre os lucros astronómicos, ostentados no luxo das estrelas e em tudo o que passa na televisão, e os direitos, salários e contratos de quem trabalha atrás das câmaras. A exploração, a apropriação da força de trabalho não raras vezes mal paga, não raras vezes precária, são descaradas.
A greve dos argumentistas norte-americanos reclamava a negociação de um contrato coletivo em que vissem reconhecido o direito a uma maior participação nos lucros obtidos com os seus guiões num mercado bilionário. Há uma diferença de escala, mas não é diferente do que se passa agora em Portugal.
Como sempre, o problema nestas lutas pelos direitos de quem trabalha começa na consciência dos próprios. São as pessoas que trabalham na indústria, sejam assistentes, câmaras, aderecistas, diretores de arte, técnicos, atores, que têm de deixar de naturalizar a precariedade e o abuso dos direitos laborais no setor. Por mais poderosos que sejam os estúdios, canais, produtoras, não pode haver offshores de direitos laborais. Não vale tudo, não é intrínseco ao setor e, certamente, não fica automaticamente justificado em nome do produto final.
Por isso foi tão importante que a atriz Ana Sofia Martins, que tem trabalhado em várias produções da Plural, tenha vindo criticar as condições de trabalho da empresa na sequência da distinção da telenovela “Ouro Verde” com um Emmy Internacional de Melhor Telenovela: “Ganhámos um Emmy! Que sensação boa termos o nosso trabalho reconhecido. Quando digo nosso, não é só o das pessoas que aparecem na TV… até porque sem os técnicos não somos absolutamente nada. Técnicos esses que são explorados a nível salarial e psicológico. Que trabalham 12 horas por dia, a contratos temporários, ou a recibos, sem segurança.”
Trabalhar 12 horas por dia sem saber se há trabalho na semana seguinte, sem subsídio de desemprego, sem poder adoecer, é a realidade por detrás das câmaras. De acordo com André Albuquerque, do CENA-STE, o Grupo Plural Entertainment integra “cerca de 130 trabalhadores nos quadros, aos quais acrescem os que são contratados por projeto e os que trabalham a recibos verdes”. “Há dias em que chegam a ser 400 trabalhadores.” Uma das reivindicações dos trabalhadores “é a redução do Período Normal de Trabalho (PNT), que atualmente atinge as 11 horas de trabalho, durante a maioria dos dias da semana, do mês e do ano”.
Trabalhar em televisão é duro, toda a gente sabe. A pressão é imediata e imensa, é uma máquina que mastiga toda a gente e cospe os mais fracos. É um setor completamente submetido às regras de mercado mais selvagens. E é por isso que devia ser um setor em que os trabalhadores estivessem particularmente protegidos pelas leis, pela fiscalização e por um regime de proteção social mais justo. Entre flashes e néones, muitas vezes é difícil fazer ouvir as reivindicações mais legítimas, mas não há maquilhagem que esconda esta exploração. Os trabalhadores da Plural não se deixaram calar pelo barulho das luzes. Saúdo-os por isso.
Deputada do Bloco de Esquerda