Acordo UE-Mercosul: 25 anos de solidão


A assinatura, na semana passada, do acordo entre a União Europeia e o Mercosul tem, a vários títulos, enorme significado


Um novo acordo de comércio livre num contexto de anunciado neo-proteccionismo por parte da nova Administração Trump constitui uma mensagem de esperança nas virtudes do comércio internacional: aumento das exportações, redução dos custos das importações, aumento do PIB, maior desenvolvimento, subida (do lado europeu) na cadeia de valor da produção de bens e serviços. A abertura do mercado dos países do Mercosur (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Colômbia, somando mais de 320 milhões de habitantes) representa uma oportunidade de ouro para a economia da UE, num contexto de arrefecimento das suas exportações. O acordo surge ao fim de 25 anos de avanços e recuos (as negociações começaram em 1999…) e mostra uma Presidente da Comissão Europeia dotada de iniciativa política, disposta a desafiar vários Estados-membros (França, Holanda, Polónia, Áustria…) onde o lobby agrícola teme perder quotas de mercado a favor das importações.

Em Portugal a discussão foi breve e ligeira, com um rápido anúncio de boas notícias para o azeite e para o vinho e de dias difíceis para a carne. Parece, e é, curto, esquecendo-nos das possibilidades de todos os outros sectores exportadores, da importância da proximidade ao Brasil (patente na recente reunião do G20 no Rio de Janeiro) e do imperativo geopolítico de manter a UE como defensora activa do comércio internacional.

Mesmo separando as componentes comercial (decidida na UE por maioria) e de cooperação política (decisão por unanimidade) do acordo UE-Mercosul, a possibilidade de surgir uma minoria de bloqueio, capitaneada pela França é real. Na Bélgica a divisão, seguindo a linha de separação linguística entre valões e flamengos, como aconteceu com o acordo UE-Canadá, está a fazer-se sentir. Os argumentos em defesa dos agricultores europeus (sujeitos a pesadas obrigações em matéria de protecção ambiental, uso de produtos fito-farmacêuticos e condições de trabalho) podem cruzar-se facilmente com a menor protecção ambiental na América do Sul (com destaque para a deflorestação na Amazónia).

O novo acordo inclui a possibilidade de suspensão caso se verifique a violação do Acordo de Paris sobre alterações climáticas (Xavier Milei, “El Trumpo”, já ameaçou denunciar o Acordo de Paris). Sendo o Acordo de Paris uma coleção de obrigações procedimentais (estudar, avaliar, promover a mitigação,…) a possibilidade de violação é, do lado dos Estados que integram o Mercosul, reduzida.

Mais importante é o mecanismo, em sede de solução de litígios, de re-equilíbrio do acordo. Este mecanismo, que se traduz num direito a uma compensação, pode ser invocado por um Estado quando considere que uma nova política (da UE) reduza ou anule as vantagens do acordo.

No comércio de automóveis a redução a zero dos direitos aduaneiros pelos Estados do Mercosur demorará 30 anos, com a possibilidade de serem activadas cláusulas de salvaguarda temporária, com a suspensão da redução de direitos aduaneiros.

O texto do acordo, revelado na terça-feira, é, em grande medida o do acordo de 2019, que muitos Estados da UE não ratificaram. Os anexos revistos em 2024 não afectam o equilíbrio então obtido. O actual acordo pode ser traduzido para a linguagem sms: europeus compram carne, soja e terras raras, sul-americanos compram veículos automóveis, sendo menos taxados os eléctricos, Alemanha ganha, França também não.

Acordo UE-Mercosul: 25 anos de solidão


A assinatura, na semana passada, do acordo entre a União Europeia e o Mercosul tem, a vários títulos, enorme significado


Um novo acordo de comércio livre num contexto de anunciado neo-proteccionismo por parte da nova Administração Trump constitui uma mensagem de esperança nas virtudes do comércio internacional: aumento das exportações, redução dos custos das importações, aumento do PIB, maior desenvolvimento, subida (do lado europeu) na cadeia de valor da produção de bens e serviços. A abertura do mercado dos países do Mercosur (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Colômbia, somando mais de 320 milhões de habitantes) representa uma oportunidade de ouro para a economia da UE, num contexto de arrefecimento das suas exportações. O acordo surge ao fim de 25 anos de avanços e recuos (as negociações começaram em 1999…) e mostra uma Presidente da Comissão Europeia dotada de iniciativa política, disposta a desafiar vários Estados-membros (França, Holanda, Polónia, Áustria…) onde o lobby agrícola teme perder quotas de mercado a favor das importações.

Em Portugal a discussão foi breve e ligeira, com um rápido anúncio de boas notícias para o azeite e para o vinho e de dias difíceis para a carne. Parece, e é, curto, esquecendo-nos das possibilidades de todos os outros sectores exportadores, da importância da proximidade ao Brasil (patente na recente reunião do G20 no Rio de Janeiro) e do imperativo geopolítico de manter a UE como defensora activa do comércio internacional.

Mesmo separando as componentes comercial (decidida na UE por maioria) e de cooperação política (decisão por unanimidade) do acordo UE-Mercosul, a possibilidade de surgir uma minoria de bloqueio, capitaneada pela França é real. Na Bélgica a divisão, seguindo a linha de separação linguística entre valões e flamengos, como aconteceu com o acordo UE-Canadá, está a fazer-se sentir. Os argumentos em defesa dos agricultores europeus (sujeitos a pesadas obrigações em matéria de protecção ambiental, uso de produtos fito-farmacêuticos e condições de trabalho) podem cruzar-se facilmente com a menor protecção ambiental na América do Sul (com destaque para a deflorestação na Amazónia).

O novo acordo inclui a possibilidade de suspensão caso se verifique a violação do Acordo de Paris sobre alterações climáticas (Xavier Milei, “El Trumpo”, já ameaçou denunciar o Acordo de Paris). Sendo o Acordo de Paris uma coleção de obrigações procedimentais (estudar, avaliar, promover a mitigação,…) a possibilidade de violação é, do lado dos Estados que integram o Mercosul, reduzida.

Mais importante é o mecanismo, em sede de solução de litígios, de re-equilíbrio do acordo. Este mecanismo, que se traduz num direito a uma compensação, pode ser invocado por um Estado quando considere que uma nova política (da UE) reduza ou anule as vantagens do acordo.

No comércio de automóveis a redução a zero dos direitos aduaneiros pelos Estados do Mercosur demorará 30 anos, com a possibilidade de serem activadas cláusulas de salvaguarda temporária, com a suspensão da redução de direitos aduaneiros.

O texto do acordo, revelado na terça-feira, é, em grande medida o do acordo de 2019, que muitos Estados da UE não ratificaram. Os anexos revistos em 2024 não afectam o equilíbrio então obtido. O actual acordo pode ser traduzido para a linguagem sms: europeus compram carne, soja e terras raras, sul-americanos compram veículos automóveis, sendo menos taxados os eléctricos, Alemanha ganha, França também não.