A detenção em calabouços de vítimas e testemunhas de crimes como violência doméstica que não comparecem voluntariamente no Campus da Justiça, em Lisboa, é considerada inaceitável por Paulo Morais e pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
Uma investigação do i revelou ontem diversas falhas de segurança no principal complexo de tribunais do país – poucos polícias, normas para que usem armas descarregadas, inexistência de revistas às detidas – e denunciou que as vítimas de violência doméstica com mandado de condução são colocadas em celas, na ala onde ficam os suspeitos de crimes.
Confrontado, o Ministério da Administração Interna remeteu para a PSP qualquer esclarecimento. E este órgão de polícia criminal confirmou a existência de algumas falhas de segurança, admitindo que os calabouços são usados para vítimas e testemunhas.
Apesar de os magistrados garantirem que já fizeram alguns alertas sobre a segurança no Campus de Justiça, o Ministério da Justiça, tutelado por Francisca Van Dunem, disse apenas que não identifica nenhuma falha na segurança e ficou em silêncio perante as detenções de vítimas nos calabouços.
Contactada ontem pelo i, a Procuradoria-Geral da República não respondeu se pondera ou não averiguar a situação.
A situação é “inaceitável” para Paulo Morais, presidente da Associação Frente Cívica. “As pessoas que denunciam situações nos mais variados casos, em Portugal são sempre tratadas sem dignidade e muitas vezes com o incumprimento da lei. O sistema judicial tem de começar a tratar com dignidade as pessoas”, afirma Paulo Morais, acrescentando: “Tratar os queixosos como condenados é próprio de um país de terceiro mundo. E Portugal às vezes trata as vítimas como se fossem réus.”
Para João Lázaro, presidente da APAV, a detenção de vítimas em celas merece um pedido de esclarecimentos públicos: “O Estado português tem obrigações no âmbito da legislação, inclusivamente europeia, de assegurar condições para as vítimas e para as testemunhas, nomeadamente através de espaços próprios que não conduzam a uma maior vitimização.”
João Lázaro afirma que “não é admissível que não haja espaços próprios e é inadmissível que tenham de esperar em condições não condignas, onde espera quem tem a qualidade de agente de perigo”. “É contra as normas e estatuto das vítimas de crime em Portugal e, claro, contra as obrigações europeias, que o Estado português tem de cumprir.”
Ao i, o juiz coordenador das Varas Criminais disse desconhecer a situação e garantiu que vai tomar uma posição para pôr fim a este tratamento das vítimas.
Como o i noticiou ontem, a falta de elementos da PSP no Campus de Justiça levou a que fosse determinado que os agentes andassem com armas descarregadas para não serem surpreendidos pelos detidos, que transportam muitas vezes aos pares.