O Bloco de Esquerda sempre possuiu uma enorme megalomania que o leva a ter ilusões de grandeza e poder que não correspondem minimamente ao seu peso no país. Começou logo no nome que escolheu, preferindo, ao contrário de todos os outros partidos, não se designar como um partido mas antes como um bloco, pretendendo assim dar a imagem de ser mais forte e resistente que todos os outros. Aliás, nos seus estatutos, o BE não se assume como um partido, mas antes como “um movimento político de cidadãs e cidadãos que assume a forma legal de um partido político” (art.o 1.o, n.o 1). O que seja isto, só aos bloquistas compete explicar.
Da mesma forma, enquanto todos os outros partidos se reúnem em congressos, o BE faz antes convenções. Pelos vistos deve achar que as suas reuniões têm tanta importância mundial como aquelas que escolhem o candidato a presidente dos Estados Unidos. Ou então julga que as mesmas têm o peso histórico da convenção de 1787, que elaborou a Constituição norte-americana, ou da convenção francesa de 1792 que aboliu a monarquia e mandou executar o rei. Mas a convenção do BE apenas elege a sua mesa nacional (art.o 10.o dos estatutos), sendo esta que elege a comissão política (art.o 11.o) e esta, por sua vez, escolhe o secretariado nacional, que é o órgão com funções de coordenação executiva. Para um partido (ou movimento) que “defende e promove uma cultura cívica de participação e de ação política democrática” (art.o 1.o, n.o 3), parece-nos haver aqui um excesso de eleições indirectas, o que torna muito reduzida a importância da sua convenção.
Mas a verdade é que a imprensa tem- -se deixado convencer do enorme relevo histórico e mundial da xi Convenção do BE. O “Público” proclama em primeira página que “ganhou maturidade o rebelde da oposição”. E o “Expresso” não só qualifica a líder do BE como “Catarina, a grande” como também publica uma espécie de cartaz de propaganda que garante que “a nova geração” do BE está “com um pé no governo”. Estranhamente, não faz qualquer referência à mais importante medida desta convenção, que foi a abolição da limitação de mandatos (art.o 15.o dos estatutos), a qual, como se sabe, tem um enorme potencial de provocar a renovação de gerações num partido.
Só que esta imprensa tão simpática e amiga ainda contribui para estimular mais a megalomania do BE. É assim que Francisco Louçã, recorrendo à citação erudita do clássico “Toy Story”, falou na possibilidade de ir “até ao infinito e mais além”, embora garanta que “o Bloco é mais humilde”. Com essa enorme humildade que caracteriza o BE, Mariana Mortágua proclama aos congressistas: “Perguntam-nos se queremos ser governo? Sim, queremos. Se vamos ser governo? Estamos prontos, camaradas.” E ai do PS se quiser opor-se a esta pretensão, uma vez que Louçã também garantiu em entrevista ao “Expresso”, com chamada de primeira página, que “ataques ao BE podem custar a maioria ao PS”. Isto porque, como ele bem explica, “o PS está a cair na armadilha da sua própria arrogância”, ficando assim demonstrado que não é tão humilde como o Bloco.
Entretanto, a enorme democracia interna que caracteriza o Bloco ficou bem expressa no resultado da convenção. Havia três moções inicialmente: a moção A, encabeçada por Catarina Martins, que teve 459 votos; a moção M, da oposição a Catarina Martins, que defendia o fim da geringonça, que teve 40 votos; e a moção C, de uma estrutura local do Bloco, que teve apenas nove votos. Mas a moção M desistiu da eleição à comissão nacional, por “falta de condições”, levando a que apenas a moção A, com 457 votos, tivesse eleito 70 membros da mesa, e a moção C, com 62 votos, os restantes dez. Quer isto dizer, portanto, que uma moção que inicialmente teve apenas nove votos acabou por eleger dez mandatos. Ninguém pode, assim, negar a enorme cultura cívica democrática que caracterizou esta convenção do BE.
O BE é um partido que tem 19 deputados no parlamento nacional (em 230), um no parlamento europeu (em 751, sendo 21 os deputados portugueses), dois deputados na assembleia legislativa da Madeira (em 47), outros dois na dos Açores (em 57), zero câmaras municipais (em 308) e 12 vereadores (são 2074 em todo o país). Apenas a ambição de António Costa em formar governo, depois de ter perdido as eleições, permitiu ao BE assumir um papel no Estado que está muito acima do seu efectivo peso político. Isso só lhe reforçou as ilusões de poder e grandeza, que neste fim-de-semana ficaram bem visíveis, e que pelos vistos contagiaram a comunicação social. Mas como bem se demonstrou no caso Robles e nas tentativas estapafúrdias dos dirigentes do BE para o disfarçar, há um momento em que a dura realidade acaba sempre por se impor à ilusão do BE. Depois de aprovar de cruz o último Orçamento do Estado de António Costa, o BE vai perceber qual é, afinal, a sua verdadeira influência política.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990