Há oito anos que os democratas não tinham a maioria na Câmara dos Representantes; agora põem fim ao controlo do poder legislativo por parte dos republicanos.
É a democracia a funcionar e a mostrar que quem manda ainda é o povo.
Ao contrário do que Trump, num universo paralelo, possa dizer e alegar, a verdade dos números é que o poder legislativo volta para as mãos dos democratas. Outra leitura possível é que o eleitorado americano quis uma administração musculada e nacionalista mas, conscientemente, coloca um travão à passadeira vermelha legislativa a dois anos da próxima eleição presidencial.
Não será tão fácil para Trump assegurar uma reeleição para um segundo mandato, uma vez que as iniciativas mais populares poderão esbarrar num Congresso dividido, onde os democratas dominam a câmara baixa, e os republicanos o Senado.
Vai exigir muita negociação, entendimento e cooperação, o que deixa antever períodos difíceis. Ainda assim, atendendo à animosidade de alguns republicanos para com a sua administração, isto poderá criar maior embaraço ao presidente. Se a coexistência sempre foi difícil mas, de uma forma ou de outra, sempre garantida pelo interesse nacional, os próximos dois anos poderão ser de elevada tensão, com uma dança permanente de cadeiras para fazer passar diferentes iniciativas legislativas.
Uma coisa é certa: os democratas vão poder bloquear parte da agenda legislativa de Trump e condicionar o Senado a votar algumas propostas mais progressistas e populares, que muito provavelmente não serão aprovadas, mas permitirão aos democratas criar uma nova plataforma de propaganda das suas propostas.
Outro sinal importante é a possibilidade que esta maioria democrata na câmara significa em termos de fiscalização da administração Trump. Por exemplo, os deputados vão poder aprofundar a investigação da suposta interferência da Rússia na eleição em 2016 ou as questões relacionadas com as finanças pessoais do presidente (em resposta à resistência de Trump em revelar as suas declarações de impostos, contrariando a tradição).
No reverso da medalha temos a ampliação da maioria republicana no Senado. O que perde em fiscalização e poder legislativo, Trump ganha em segurança para confirmar as suas nomeações para cargos no executivo e no judiciário – um fenómeno que poderá ser preocupante a médio prazo, dependendo das nomeações que Trump vier a propor.
O último e inequívoco sinal de sentimento anti-Trump é, para mim, o recorde de candidatas mulheres que esta eleição legislativa registou e que veio a refletir-se na composição final da nova Câmara dos Representantes.
Nunca antes se tinham registado tantas candidaturas de mulheres e, entre elas, a eleição de duas com apenas 29 anos: Alexandria Ocasio-Cortez e Abby Finkenauer. Um facto assinalável e que é um claro cartão amarelo ao machismo e desconsideração pelas mulheres que Trump sempre demonstrou.
Aliás, em jeito de nota final, também noutro canto do mundo se fez história pela eleição da primeira mulher, em 150 anos, para um lugar na UIT (Agência das Nações Unidas para as Telecomunicações).
São os sinais de mudança que, espero sinceramente, venham para ficar, contrariar e afastar a nuvem negra do populismo e da insensibilidade política que nos últimos anos tem vindo a proliferar um pouco por todo o mundo. Não é um travão a fundo mas é, sem dúvida, um pé no travão.
Escreve à quinta-feira