Na semana em que talvez o assunto mais badalado tenha necessariamente sido o Orçamento do Estado, ou melhor, a miscelânea orçamental que o executivo apresentou ao país, muitas rubricas poderiam aqui ser esmiuçadas pela sua manifesta contradição material. Mas como, todos os anos, a ementa é a mesma e começa, por isso, a tornar-se maçador falar sempre das mesmas questões, desta feita, ainda que setorial, decidi neste espaço destacar a manifesta discriminação feita aos espetáculos tauromáquicos, que não foram abrangidos, pelo menos na discussão na generalidade, pela redução do IVA que outros espetáculos culturais, e bem, viram chegar, mantendo-se assim nos 13%. Violação clara, no meu entender, também de princípios básicos do direito como o da igualdade. Não me choca, por isso, que a sra. ministra da Cultura não goste de touradas, mas repugna-me o desrespeito que manifestou pelo Estado de direito nesta sua manifestação e envergonha-me, por falta de vergonha da própria ministra, a afirmação que fez de que, e cito, “tauromaquia não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização, e manteremos como está”.
Sra. ministra, dirijo-me a si direta e inequivocamente. Fiquei sem perceber. Considerará sua excelência que é ministra apenas de alguns portugueses ou é, como deve ser, de todos? Será sua excelência ministra de um setor em todas as suas demonstrações de atividade, ou sê-lo-á apenas nas que pessoalmente lhe agradarem? É sua excelência ministra em plenitude ou representante mandatada de uma qualquer seita privada que ondula em prol dos seus gostos ou interesses pessoais? É que repare, sra. ministra, o gostar ou não gostar de touradas, para aqui, até é indiferente. Agora, aquilo que a senhora pessoalmente pensa sobre a questão não se pode sobrepor à imparcialidade que a função que desempenha lhe exige. Se não compreende esta realidade, não pode ser ministra. Mais: não pode ser titular de qualquer cargo que seja, mesmo que o mais baixo da hierarquia governativa. Repare, não desrespeitou só a atividade. Desrespeitou todos quantos nela honestamente trabalham e que, para o poderem fazer, têm de cumprir em igualdade as mesmas obrigações legais que a outros profissionais se exigem, e ainda todo o público aficionado, algum que certamente terá votado no governo que agora a senhora integra. Volto a dizer, sra. ministra: está-se tudo a borrifar para as considerações que, enquanto cidadã singular, possa fazer sobre as touradas, ainda que tenha direito a fazê-las.
Como titular de um cargo governativo é que fia mais fino. Mas, não satisfeito, gostaria que me esclarecesse sobre uma segunda dinâmica. Tendo sua excelência afirmado que a tourada é uma questão de civilização, deduzo que, a seu ver, quem delas gostar, nelas trabalhar ou a elas, nem que seja por mera curiosidade assistir é incivilizado. Assim, e ainda que não seja preciso elencar nomes conhecidos para legitimar o gosto pelas touradas, indico-lhe um multicultural grupo de conhecidos defensores da tauromaquia para que, no fim, me responda a outra questão. Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Federico García Lorca, António Lobo Antunes, Camilo José Cela, Ramalho Ortigão, Mario Vargas Llosa, James Dean, Orson Welles, Charles Chaplin, Amália Rodrigues, Eusébio da Silva Ferreira, Luís Vaz de Camões, António Lobo Antunes e até mesmo Sá Carneiro, Mário Soares e Jorge Sampaio, que enquanto titulares de cargos políticos marcaram por variadas vezes presença em corridas de toiros, os dois últimos nomeadamente em Lisboa, no Campo Pequeno, tendo mesmo vindo a condecorar alguns toureiros. Mais: até o Presidente Marcelo ia, mas só em hipotética pré-campanha presidencial, que depois, enquanto Presidente eleito, esqueceu-se ou deixou de lhe dar jeito ir. Pergunto: foi ou é toda esta gente incivilizada, ou incivilizado, por discriminatório, terá sido o seu comentário? Bem sei que nunca me responderá, mas gostava que o fizesse.
Escreve à sexta-feira