Castigo duríssimo: interdição do Estádio da Luz por tempo indefinido até à conclusão de um inquérito entretanto instaurado; suspensão de dois jogadores do Benfica – José Torres (6 jogos) e Malta da Silva (5 jogos).
Decisão da direção do Benfica: utilizar o Estádio Nacional enquanto estivesse em vigor a suspensão da Luz.
Duas das equações do Belenenses-Benfica deste fim de semana já estão sobre a mesa: Benfica e Jamor. Falta o Belenenses, clube que esteve envolvido na maior tranquibérnia vivida num jogo entre ambos os adversários lisboetas.
25 de janeiro de 1970.
“Graças ao Toni ainda estou vivo”, desabafava o árbitro do encontro entre Benfica e Belenenses disputado na Luz. Aos 43 minutos foi suspenso por João Vitorino Nascimento Nogueira, profissional de seguros, antigo jogador do Vitória de Setúbal e soldador na fábrica de cimentos Secil, na Serra da Arrábida.
“Não sei bem como as coisas começaram”, contava. “O Toni gritou ‘fuja senhor árbitro, fuja!’ e dei por uma multidão a correr atrás de mim.”
Facto: numerosos espetadores invadiram o relvado após a expulsão de Malta da Silva. Antes já José Torres tinha também sido expulso.
O público exasperava-se há longos minutos. Reclamara igualmente um penálti cometido sobre Nelson.
Muitos adeptos abandonaram o estádio, com receio da onda de violência.
Eusébio tentou conter os mais excitados que perseguiam João Nogueira. Debalde. Era como segurar uma maré a mãos nuas.
Torres foi expulso por agredir Freitas aos 34 minutos: algo nada vulgar no geralmente pacífico Bom Gigante. A carga violenta de Malta da Silva sobre Saporiti fez explodir a agressividade latente.
Referem cronistas presentes na imprensa da época: “Podemos também acrescentar que a atitude do público foi motivada pelo facto de Carmo Pais ter detido a bola com a mão dentro da grande área sem que o árbitro assinalasse a respetiva grande penalidade.”
Claro que não serve de justificação.
João Nogueira: “Quais penáltis? Não vi nenhum!”
Outra testemunha em página de jornal: “Quando Torres foi expulso, o encontro teve então lances de grande emoção, com entradas maldosas de ambos os lados.”
Acusações e respostas
Três penáltis, gritavam os benfiquistas: Rodrigues rasteirou Jaime Graça, a mão de Carmo Pais, uma carga de Rodrigues sobre Nelson.
“Ná! Ná! Não vi nada. Nadinha! Tudo coisas normais. Desarmes, cargas de ombro, tudo normal”, defendia-se o árbitro. E continuava: “Até agora nunca tinha expulsado um jogador internacional. Mas a lei é igual para todos. Não podia fazer outra coisa. Tenho de agradecer ao Toni não ter morrido ali. Corri para a escadaria de acesso às cabinas e caí. Ninguém me tocou. Fui eu que caí e me feri na mão e na perna direita. A PSP deu-me proteção. Trouxe-me sob escolta até Cacilhas onde tomei o meu carro. Em casa já tinha toda a família e muitos amigos. Parece que a Emissora Nacional disse que eu estava fisicamente incapaz e isso assustou a minha gente.”
Borges Coutinho, presidente do Benfica, sempre frio e elegante: “Não há dúvida nenhuma que uma invasão de campo é sempre lamentável. No entanto, como toda a gente sabe, as massas são por vezes incontroláveis. Acontece que estivemos perante uma arbitragem que me recuso, até, a classificar… E que, fundamentalmente, esteve na origem de tudo de triste que aconteceu no jogo.”
Nogueira fazia a sua defesa veemente: “Entendi que devia suspender o jogo porque aquilo já não era um desafio de futebol: era uma fornalha. Parei a luta. Pois, a luta. Escreva isso mesmo: a luta. Fiz o relatório do que se passou. Agora, o problema já não é meu. Será com a Federação. Será com a Comissão Central. Será com os juristas. Eu sou apenas árbitro. E como árbitro tenho de manter a disciplina.”
Já vimos quais foram as decisões dos juristas.
Entretanto, também Toni dava a sua versão dos acontecimentos. Com a modéstia do costume: “Afinal, que fiz eu? O que qualquer um faria nas mesmas circunstâncias. Limitei-me a ajudar um homem em perigo. O mesmo fez um jogador do Belenenses, não sei se o Estêvão ou se o Saporiti. Posso garantir que ninguém tocou no sr. João Nogueira. Quando me apercebi da multidão – não seria uma multidão, note, mas parecia –corri para ele e gritei: ‘Fuja!’ Hesitou por momentos, entre fugir e não fugir, empurrei-o pelos ombros e auxiliei-o a aumentar a velocidade da corrida. Só o larguei à entrada do túnel. Penso que se terá magoado quando saltou. Ia muito lançado. Evidentemente que lamento a atitude assumida pelos intervenientes. Refiro-me à parte do público que se deixou exaltar em demasia. O árbitro errou – e muito. Foi ingénuo. Prejudicou a partida. Mas, afinal, é um homem, com direito a errar como, por certo, erram no dia-a-dia aqueles que o perseguiram”.
Alguém mais comezinho trouxe à saciedade: João Nogueira recebera 750 escudos pelos 43 minutos do jogo da Luz. “Não ando na arbitragem por dinheiro!” Nunca um Benfica-Belenenses fervera de tal forma. Uma fornalha que Toni ajudou a apagar…