Seja por uma questão de crença, de solidariedade para com os animais ou de preocupações ambientais, deixar de comer carne, peixe ou outros alimentos de origem animal vem conquistando cada vez mais adeptos. Contudo, ainda não há consenso sobre os benefícios ou malefícios dessa decisão: há quem acredite firmemente que este tipo de dieta é perigoso para a saúde e quem defenda que cortar alimentos de origem animal é, pelo contrário, a cura para todos os males.
Conceição Calhau, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do CINTESIS, explica ao i que quando as pessoas optam por deixar de comer tudo o que é de origem animal poderão vir a sofrer de “riscos no sentido em que há deficiências alimentares que têm que ser acauteladas”. No entanto, deixa a ressalva de que essas deficiências também podem verificar-se em pessoas que fazem uma dieta que inclua todo o tipo de alimentos.
Mas quais são os cuidados que se devem ter ao aderir a esta dieta? “O primeiro é a preocupação relativamente à qualidade de proteína”, explica a especialista, porque a ingestão de proteínas de origem vegetal é incompleta, enquanto “a proteína de origem animal é mais próxima da proteína humana” logo tem “maior qualidade”.
Outro risco é a baixa ingestão de ferro – que na comida de origem animal está no presente no estado “ferroso” e nas plantas está na forma “oxidada”.
A falta de ácidos gordos ómega 3, sobretudo os ácidos EPA e DHA – que existem maioritariamente na gordura do peixe – é outro dos perigos associados ao veganismo. Conceição Calhau refere que estes ácidos são necessários, por exemplo, para combater uma infeção aguda. Também no caso de grávidas ou mulheres que estejam a amamentar, o DHA é “extremamente importante para o neurodesenvolvimento da criança”.
Por fim, a falta da vitamina B12 – que que ajuda no desenvolvimento de glóbulos vermelhos e se encontra essencialmente em alimentos de origem animal.
Mas estes problemas podem ser facilmente ultrapassados, garante a especialista. Quanto à questão das proteínas pode-se fazer uma “associação de proteínas chamadas complementares”. E dá o exemplo: quando se juntam cereais e leguminosas “temos a associação de uma proteína de elevado valor biológico”, que de uma forma mais grosseira é o mesmo que dizer que o “arroz com feijão é igual a ter o bife no prato”. Quanto à questão do ferro, Conceição Calhau, diz que a carência pode ser combatida associando alimentos de fonte de ferro – como é o caso das hortícolas com folha verde – com alimentos ricos em vitamina C.
Já os restantes problemas só podem ser combatidos com a ingestão de suplementos, explicou.
Nuno Alvim, representante da Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), refere que desde que a alimentação vegana seja feita com cuidado, “de forma equilibrada e seguindo as orientações que estão estabelecidas pelos nutricionistas não há preocupação qualquer”, porque as pessoas conseguem ingerir todos os nutrientes de que necessitam.
O representante da AVP diz ainda que se deve ter um especial cuidado com o consumo da vitamina B12, mas isto “não é motivo de muito alarme porque hoje encontra-se esta vitamina numa grande variedade de alimentos, desde bebidas vegetais, iogurtes vegetais e outros alimentos que estão reforçados à base de B12”.
Nuno Alvim recorda ainda que nos últimos anos os padrões alimentares têm mudado e a carne passou a ser consumida em excesso, o que está associado a vários riscos, como o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. É nesse sentido que a dieta vegana é benéfica, porque “ajuda a prevenir essas doenças cardiovasculares que são causadas pela ingestão excessiva da carne, dos ovos ou do peixe”, conclui.
Dieta vegana vs dieta mediterrânea Segundo Conceição Calhau, vários estudos mostraram que as pessoas veganas “têm mais saúde” quando comparadas com a população que não faz a dieta mediterrânea. Ou seja, se se comparar a dieta vegana com uma dieta desequilibrada e inadequada há de facto benefícios. No entanto, quando se compara a “dieta vegetariana com a mediterrânea não consigo dizer que a vegetariana é efetivamente melhor”, reconhece.
O número de vegetarianos e veganos tem aumentado e a especialista diz que isso se deve ao facto de as pessoas se preocuparem com a sustentabilidade do planeta, mas também com tomadas de posição radicais. Isto é, como a maior parte das pessoas não consegue seguir uma dieta moderada, opta por cortar por completo com o consumo de alimentos de origem animal.
Conceição Calhau explica ainda que um dos problemas resulta de as pessoas não saberem fazer as escolhas mais saudáveis. Por exemplo, quando se tem de escolher entre produtos processados, a especialista diz que os consumidores devem ler sempre os rótulos para escolher o produto que tem menos açúcares, gorduras, sal e conservantes. No seu entender, a “capacidade de interpretar e saber o que é mais importante” é um dos grandes calcanhares de Aquiles dos consumidores.
“O consenso científico é de que não existe uma dieta melhor do que a outra” porque ambas têm benefícios para a saúde, sintetiza Nuno Alvim. Contudo, a dieta vegetariana pode ser mais eficaz a combater alguns problemas de sustentabilidade, porque a produção de animais tem “grandes impactos para o ambiente”.
O especialista também confirma que a adesão a esta dieta tem crescido, sobretudo entre as gerações mais jovens, devido à preocupação com a saúde, com o ambiente e com o bem estar animal.
E as crianças? Tanto Conceição Calhau como Nuno Alvim não têm dúvidas de que as crianças podem crescer saudáveis mesmo seguindo uma dieta vegana. Deve, porém, estar-se consciente dos riscos inerentes a este tipo de alimentação e as crianças devem ser acompanhadas medicamente para que seja certificado que estão a crescer normalmente.egetariana é melhor”