Vegan. Mudanças que começam na escova de dentes…

Vegan. Mudanças que começam na escova de dentes…


No dia mundial do veganismo, o i falou com seis pessoas que nos contaram o que os levou a tirar produtos de origem animal da rotina diária e quais as dificuldades com que se depararam


“Tudo o que tenha olhos e alma, eu não como”. É assim que Madalena Varela, de 48 anos, explica a razão de ser vegana. O respeito pelos animais e pelo ambiente são as palavra-chave para este estilo de vida que vai além da alimentação.

“Ser vegan partiu da necessidade que tenho de resolver as injustiças do mundo e de defender os animais”, esclarece Elisa Ferreira, advogada de 38 anos e coordenadora da sociedade Aliança Animal.

Produtos testados em animais ou cuja conceção ou produção tenha envolvido algum tipo de sofrimento animal são para os veganos tão cruéis quanto a carne e, por isso, proibidos para quem adota este estilo de vida.

“Uma das maiores dificuldades que passei foi ter de olhar para o meu guarda-roupa e começar a perceber que, cada vez que fosse às compras, tinha de verificar as etiquetas, porque nós não usamos lã nem seda”, conta-nos Beatriz Batista, criadora do blog Sociedadevegan.com. 

Mas houve mais. “Lembro-me que ofereci todos os meus produtos de cosmética e maquilhagem”, confessa a blogger, lembrando a altura em que ainda eram poucas as marcas que vendiam produtos amigos dos animais. Mas, para Beatriz, usar outros que não cumprissem os requisitos não era opção.

Obstáculo que também teve de ser ultrapassado por um estudante de Psicologia 23 anos que prefere não ser identificado. Há dois anos quando começou ser vegano, “a cosmética foi a grande mudança porque percebi que a grande maioria dos produtos que usava eram testados em animais e ainda por cima quando mudei a minha pele não se adaptou muito bem”. Agora “o corpo já se habituou aos champôs e aos cremes”.

Neste aspeto, a vida de um vegano está agora mais facilitada porque “há produtos à mão de toda a gente e para todos os bolsos”, como garante Elisa Ferreira. “É muito fácil encontrar sapatos veganos de alta qualidade ou um casaco giro que não tenha origem animal”. Dá como exemplo marcas económicas como o LIDL e a The Body Shop, que apostam cada vez mais em produtos amigos dos animais.

“É difícil jantar com alguém que coma carne” Ser vegano traz mais do que as mudanças que estão à vista: traz também mudanças de mentalidades que, muitas vezes, não são fáceis de acompanhar nem de entender por parte daqueles que não partilham o mesmo estilo de vida. Nem sempre o relacionamento entre veganos e não veganos é fácil.

“Os veganos têm muitas vezes de ser assistidos” por não saberem lidar com a violência, hábitos que Elisa Ferreira considera serem normais num sistema violento. “Há muitos veganos que não conseguem relacionar-se com pessoas não veganas por terem dificuldade em entender a forma como estas pensam ou a despreocupação com a violência sobre os animais”.

Um passo que a coordenadora da Aliança Animal confessa ter de dar para melhor “aceitar que as pessoas não conseguem mudar os hábitos de um dia para o outro”, confessando até que as questões de mentalidade podem muitas vezes afastar pessoas próximas como os “pais, amigos e até o marido”.

Já Beatriz Barata revela que evita “viver numa bolha” mas assume que no início o processo foi muito duro e que ainda hoje “é difícil jantar com alguém que coma carne”. Para a criadora do blog, “a maior parte das pessoas não entende que alguém coma vegan e seja saudável, ainda é um bocadinho desconhecido”.

Dificuldade que o estudante de Psicologia sentiu também dentro e fora de casa. “Sempre tive aquele bichinho de procurar coisas sobre os direitos dos animais, ficava chocado com o que encontrava, e fui diminuindo o consumo de carne e de peixe”. A mudança para o estilo de vida vegan não correu tão bem quanto queria. “Quando tiveres 18 anos logo decides o que comes, até lá é muito perigoso”, diziam-lhe os pais, que acabaram por reconhecer que o filho já se sentia mal cada vez que comia carne. 

Já no caso do M. e R., criadores do Instagram Kitchen Dates, o início da vida vegan começou em Bali, há dois anos. “Fomos a um festival vegano e assistimos a algumas palestras”. “O nosso click passou por questões de saúde”, explicam.

Para Madalena Varela, o amor pelos animais falou mais alto. “É algo que acontece dentro de nós, ver a forma como eles matam os animais e o que estes libertam enquanto morrem fez-me pensar no que eu também acabava por consumir e no respeito pela vida”.

Madalena Varela diz ainda que entrou neste estilo de via de um dia para o outro. “Foi no feriado do 5 de outubro” que decidiu que não ia mais comer carne.

Já Elisa Ferreira, que adotou uma alimentação vegan por questões éticas, não se adaptou tão depressa quanto desejava, até porque não gostava de legumes. 

“Quando comecei a ganhar consciência, aprendi a tornar alguns legumes saborosos e acho que isso foi a palavra-chave”, disse. “Por exemplo, eu faço bacalhau à brás, mas troco o bacalhau por alho francês e os ovos por natas vegetais”. Explica ainda que há cinco motivações pelas quais se rege a vida vegana e todos os que dela fazem parte: “Questões éticas, ambientais, de saúde, de justiça e, por último, por questões de sabor – descobrir um mundo novo de combinações”.

Já o estudante de Psicologia não teve esse tipo de problemas e mesmo as saídas com amigos e jantares de grupo nunca foram um quebra-cabeças. Ainda assim, já foi expulso de um restaurante por tentar mudar alguns ingredientes de forma a moldar o prato à sua medida.

Veganismo com crianças Madalena Varela, mãe de dois filhos, conta-nos que não impõe hábitos alimentares em casa, mas tanto Rosa, de 13 anos, como Tomás, de 20, optam por uma vida sem carne. 

“Não obriguei o meu filho e deixei que ele seguisse o seu caminho”. Hoje Tomás é “completamente radical” no que diz respeito às ideias veganas. “Aos 10 anos ele começou a questionar qual o animal que estava a comer e houve um dia em que, à mesa, me disse que era o último”, recorda.

A filha mais nova, Rosa, é também vegana e não tem qualquer tipo de curiosidade em experimentar comer carne.