México 1968. O mundo do atletismo nunca mais seria o mesmo

México 1968. O mundo do atletismo nunca mais seria o mesmo


O salto de Dick Fosbury, o voo impossível de Bob Beamon, as luvas negras de Tommie Smith e John Carlos, as cervejas a mais de Hans-Gunnar Liljenwall. A estreia da RDA, o aparecimento dos novos países africanos, a cronometragem eletrónica e as pistas de tartã


Outubro de 1968, Cidade do México.

É difícil saber por onde começar, apesar de estarmos a falar de um fim: o fim dos Jogos da xix Olimpíada.

O panorama universal do atletismo alterou-se para sempre. Imagens e símbolos que jamais se apagarão da memória coletiva. 

Querem ver?

Dick Fosbury, americano, 21 anos, salto em altura. Correu para a barra a 2,24 metros. De repente, em vez do rolamento ventral que todos os saltadores utilizavam à época, lançou-se no espaço de costas paralelas ao chão e voou para o recorde olímpico.

Um oohhh! de espanto percorreu o Estádio Olímpico. O mundo inteiro pôde ver o salto de Fosbury: foram os primeiros Jogos a serem transmitidos em direto para todo o planeta.

O facto de a Cidade do México se situar a 2240 metros de altitude provocou muitas críticas. Veio mais tarde a provar-se que essa circunstância foi decisiva para que se batessem, nesse mês de outubro, 22 recordes do mundo.

Estreia também para muitos países africanos acabados de sair da repressão colonial. O Quénia não era um dos estreantes, mas as oito medalhas que conquistou no México, com ouro nos 1500, 3000 obstáculos e 10 000 metros masculinos, fizeram da sua representação uma das mais notáveis. Kipchoge Keyno tornou-se o precursor de um domínio impressionante que dura até hoje.

Foram igualmente os Jogos da política. A checa Vera Caslavska ganhou quatro medalhas de ouro na ginástica e lavrou um protesto público em relação à ocupação soviética do seu país. Tommie Smith e John Carlos, os medalhas de ouro e bronze dos 200 metros, tornaram-se ícones quando, no momento de escutarem o hino dos Estados Unidos, ergueram os punhos enluvados, símbolo do Black Power. O Comité Olímpico Internacional baniu-os para sempre. Já o sueco Hans-Gunnar Liljenwall viu o seu nome entrar na eternidade pelas piores razões: primeiro atleta a ser apanhado por doping nuns Jogos Olímpicos. No final da suas provas de pentatlo foi-lhe detetada uma quantidade anormal de álcool no sangue. A medalha de bronze foi-lhe retirada.

Dick Fosbury teve outro nome a fazer–lhe sombra: Bob Beamon, que saltou 8,90 metros em comprimento. Extraordinário! Bateu o recorde do mundo por 55 centímetros. A marca manteve-se intocável durante 23 anos, até que Mike Powell conseguisse atingir os 8,95.

Seria possível elencar aqui uma infinidade de outros pormenores que fizeram dos Jogos Olímpicos de 1968 os mais invulgares da História. A ameaça quase coletiva de boicote se o convite à África do Sul não fosse retirado, por exemplo, golpe profundo na vergonha do apartheid. Ou os cinco recordes do mundo batidos consecutivamente por três atletas no triplo salto. Desde o aparecimento do tartã ao início da cronometragem eletrónica, desde a primeira presença da República Democrática Alemã (26 medalhas no total) à libertação feminista de se ter assistido a uma mulher transportar e acender a chama olímpica no estádio. Era mexicana e chamava-se Norma Enriqueta Basílio de Sotelo.

O atletismo entrava definitivamente na era moderna. Não havia como voltar atrás. O mundo mudara. Continuou a mudar. Até hoje.