Ricardo Gonçalves.  “Mário Centeno podia ser ministro do PSD”

Ricardo Gonçalves. “Mário Centeno podia ser ministro do PSD”


Ex-deputado do PS critica remodelação e lamenta que o governo não faça “reformas nenhumas”


Ricardo Gonçalves é dos poucos socialistas que não se converteu à geringonça. Diz que não o deixaram falar no último congresso do PS e acusa António Costa de “centralizar tudo na figura dele”. Admite que falhou nas previsões sobre o futuro da aliança à esquerda, porque nunca pensou que o PCP e o Bloco de Esquerda apoiassem o governo em troca de umas migalhas. “Só fazem barulho”, diz o ex-deputado socialista. 

Escreveu que os novos ministros são todos dependentes políticos do primeiro-ministro. Não gostou desta remodelação?

A remodelação fica muito aquém daquilo que era preciso. António Costa centralizou tudo na figura dele. Fez isso na campanha das legislativas, mas saiu-se mal. António Costa é um bocado um homem só. Ele tem valor, mas centraliza tudo. Repare que dentro do partido a autonomia política é muito pequena. Isto é o esvaziamento completo do PS. O PS, neste momento, não existe e o governo cada vez mais é o António Costa e mais ninguém. Mesmo os ministros mais políticos têm pouca visibilidade. Há o Augusto Santos Silva, que está desgastado, porque exerce o poder há muito tempo, e o Vieira da Silva que é o único com mais conhecimentos políticos. O resto é muito mau. Os governantes principais são todos de Lisboa e todos próximos do António Costa.

Foi ao congresso do PS, em 2016, criticar esta solução política. Foi sempre muito pessimista, mas tudo indica que o governo vai cumprir a legislatura. Admite que as suas previsões falharam?

Continuo a achar que, apesar de toda a capacidade política do António Costa, o governo continua a ser uma perda de tempo. Não faz reformas nenhumas. Vale-se de uma conjuntura extraordinária e dá umas migalhas ao PC e ao Bloco. Foi isso que se viu neste orçamento. O PCP e o Bloco de Esquerda atropelaram-se um ao outro para ver quem apresentava primeiro uma medidazinha. Aquilo que eu menos previa era que o PC e o Bloco abdicassem de quase tudo. Afinal, eles não são nada revolucionários, não trazem nada de novo e limitam-se a gerir o capitalismo. Apoiam o governo em troca de umas migalhas para fazerem a propaganda deles. 

Nesse aspeto ficou surpreendido…

Essa parte surpreendeu-me. Só fazem barulho. São contra o euro e a União Europeia, mas depois contentam-se com umas migalhas. Isso é impressionante. Mas tudo isto resulta da conjuntura. A conjuntura tem sido muito boa, mas continuo a achar que este governo é uma perda de tempo. A conjuntura internacional é única e enquanto durar isto vai andando. 

Acha que esta solução política pode repetir-se a seguir às eleições legislativas do próximo ano?

Não sei. O PCP e o Bloco podem ter dificuldades, porque as pessoas que apostaram neles estão desiludidas. Eu sou professor e vejo que há muito descontentamento no ensino. A esquerda continua a reclamar, mas na prática vão deixar passar o orçamento. O PCP e o Bloco podem perder votos por causa desta coligação e os votos podem ir parar ao PS. O PS joga nisso. Vai tentar, não digo a maioria absoluta, mas o melhor resultado possível. 

É quase impossível a maioria absoluta?

Eu acho que é. Há muita gente descontente. O governo diz que o desemprego baixou, mas a verdade é que muitos desses empregos foram criados com salários baixos. 

Houve muitos socialistas que acabaram por se converter a esta aliança à esquerda. Ao início havia muita gente com dúvidas…

Ninguém tinha dúvidas. Na Comissão Nacional do PS houve só sete votos contra. Fui eu que fiz o discurso mais duro contra o governo. As bases do PS são muito esquerdistas. Houve sempre uma discrepância entre as bases e os dirigentes. Os dirigentes sempre foram mais moderados do que as bases. Julgo que o eleitorado do PS se revê nesta solução política, embora alguns comecem agora a ficar desiludidos. Acharam que isto ia ser um mundo novo e não é nada disso. Isto é um governo igualzinho ao do Guterres e do Sócrates. Houve alguns sonhadores que achavam que um governo de esquerda ia ser algo diferente, mas isso não aconteceu. O Mário Centeno podia ser ministro de um governo do PSD. Até tinha dado um bom ministro do Cavaco Silva. 

Qual é a opinião que tem sobre este Orçamento do Estado para 2019?

Este orçamento não resolve nenhum problema de fundo. Limita-se a dar umas benesses para calar o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Não há nada estrutural. Sempre achei que o grande problema deste governo era a falta de crescimento e cada vez me convenço mais disso. É inadmissível que com esta conjuntura o país não consiga crescer mais. Foi isso que eu disse no congresso [em2016] e mantenho. E neste último congresso não me deixaram falar. Disseram-me que já tinham as inscrições fechadas. Isso é muito grave. O meu discurso no outro congresso teve mais de 15 mil visualizações no youtube.