Bolsonaro. O Trump Tropical que também recebeu conselhos de Steve Bannon

Bolsonaro. O Trump Tropical que também recebeu conselhos de Steve Bannon


Os mercados gostaram da eleição de domingo e a bolsa subiu, mas há quem tema “a tela em branco” que é Bolsonaro


A professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo Maria Hermínia Tavares de Almeida alerta para o perigo de Jair Bolsonaro poder representar para o Brasil um processo parecido com o de Hugo Chávez na Venezuela. “O maior risco é um governo civil autoritário com apoio militar”, liderado por um presidente que “é quase uma tela em branco”, “vagamente nacionalista e antissistema”, disse ao “El País”. E vai ao ponto de classificá-lo como uma onda “muito maléfica para o país”.

Uma perspetiva que os mercados parecem não alimentar, tendo em conta a subida registada ontem na bolsa de São Paulo. Os resultados de ontem apontam para um apoio significativo de Bolsonaro no Congresso, tendo em conta os deputados e senadores que conseguiu eleger. Um dos maiores receios entre os meios liberais era que o candidato do PSL chegasse ao poder e tivesse depois de negociar as suas leis sem uma bancada significativa. De outra forma, o candidato é bem visto, até porque a comandar a área económica tem um ultraliberalista, o economista Paulo Guedes, que tem um projeto económico de privatizações e de redução do peso do Estado que pouco foi aflorado durante a campanha.

“Os defensores dessa agenda compreenderam que a única maneira de impor suas reformas seria de uma maneira autoritária”, afirmou Vladimir Safatle, também professor na Universidade de São Paulo, à Deutsche Welle. “Só tinha um jeito de ser implementada: escondendo-a, não deixando que fosse claramente exposta e tematizada”, acrescentou.

O que Bolsonaro e a sua campanha conseguiram foi manter a discussão no acessório (o seu machismo, a sua homofobia, o seu racismo, a sua defesa da tortura e da ditadura militar, e deixar de lado as suas propostas para resolver a crise do país, com exceção de assumir o recurso à violência para combater a violência.

“Novamente se repete o erro de análise dos democratas norte-americanos nas eleições que levaram ao poder Donald Trump há dois anos: polarizar a campanha, reduzindo-a a uma luta entre o politicamente correto e a provocação, favorece o provocador (Trump, Bolsonaro), que se converte automaticamente no voto de protesto”, escreve Miguel-Anxo Murado no “La Voz de Galicia”.

Bolsonaro, a quem chamam o Trump Tropical, cognome que o próprio não desdenha, parece assim encaminhado para chegar ao Palácio do Planalto: “É certo que ele se vai tornar o próximo presidente do Brasil a não ser a que algo inesperado aconteça”, disse à Bloomberg Bernd Berg, estratega na Woodman Asset Management, na Suíça. A interpretação é que perante este resultado eleitoral, com o reforço do seu apoio no congresso (o PSL vai ser o segundo maior partido no Congresso), o Brasil poderá fazer as reformas de que tanto precisa e que são muito impopulares.

O “Guardian” falava ontem das similitudes entre a situação dos Estados Unidos e do Brasil, a segunda e a quarta maiores democracias do mundo, que vão para além de Bolsonaro, do discurso musculado e do uso substancial das redes sociais e das fake news. Ambos os países elegeram presidentes diferentes neste milénio, Lula da Silva (em 2002), um ex-sindicalista que introduziu enormes programas sociais, e Barack Obama (em 2008), um senador negro que trouxe para o centro o problema da falta de inclusão e do racismo no país e que instituiu pela primeira vez no país uma reforma nos seguros de saúde para tornar mais universal o acesso aos cuidados básicos. Ambos procuraram governar com e para as elites económicas, não introduzindo grandes reformas que pudessem agitar demasiado as águas dos mercados. Além disso, os dois escolheram mulheres para lhes suceder, num sinal de maior inclusão e de aprofundamento dos direitos, que se mostraram mais cautelosas que os seus antecessores.

Como Trump na sua campanha, Bolsonaro escolheu um discurso politicamente incorreto destinado a cativar as forças sociais mais conversadoras, os privilegiados que se sentiram abandonados pelo poder que cultivaram durante anos. Numa entrevista em agosto na Globo, Bolsonaro ignorou as perguntas sobre propostas políticas para insistir no perigo de ensinar questões de género e educação sexual nas escolas.

Além disso, a campanha de Bolsonaro também beneficiou dos conselhos de Steve Bannon, que ajudou a levar Trump para a Casa Branca. E, tal como Trump em 2016, o candidato presidencial brasileiro aludiu ontem à existência de fraude na eleição deste domingo – uma declaração que se junta a outras, que fez durante a campanha, de que nunca aceitará a derrota e que o exército está de acordo com ele (o seu candidato a vice chegou a falar em possibilidade de golpe).