A preocupação exacerbada com os afazeres quotidianos, com as questões profissionais urgentes, com a necessidade de dar respostas eficazes a problemas colocados superiormente, impede-nos muitas vezes de refletir seriamente sobre a razão de ser do que fazemos e a maneira como o fazemos.
Vamos fazendo, o mais rápido que podemos e o mais eficazmente que sabemos, sem, em muitos casos, ponderarmos devidamente o sentido essencial dos nossos atos e o resultado que eles podem produzir.
Toda a vida moderna parece estar, aliás, organizada para evitar qualquer tipo de reflexão, mais ou menos profunda, designadamente se esta puder vir a questionar os fundamentos reais da nossa ação e das determinações a que somos submetidos.
Acresce que, para compensar esse défice de ponderação e reflexão própria e coletiva, os média se encarregam, dia e noite, de nos fornecer explicações razoáveis e prefabricadas que são, de algum modo, limitadoras das nossas capacidades e possibilidades de pensarmos, individual e coletivamente, as nossas ações e as dos outros.
As coisas são assim porque são assim e de pouco serve pensarmos em procurar outras explicações, pois elas não serão validadas se, de algum jeito, não se enquadrarem no pensamento único que o mainstream produz constantemente.
Parece, pois, que o único princípio verdadeiramente orientador da nossa vida atual – seja pessoal, social, política, profissional ou moral – é o conhecido “empurrar com a barriga”.
Vamos, por isso, empurrando cegamente quase tudo, designadamente as opções com as decisões que se relacionam com a atividade institucional e a maneira como, pessoalmente, nos situamos nela.
Tal atitude, contudo, conduz-nos muitas vezes a becos sem saída e acaba por provocar crises que não nos atrevêramos a imaginar mas que, com um pouco mais de reflexão, teríamos facilmente adivinhado.
É assim que, de repente, muitas pessoas tidas como prudentes e respeitáveis, e desenvolvendo mesmo funções em instituições basilares, se veem envolvidas em atividades e iniciativas que, se sobre elas tivessem pensado seriamente com tempo e cuidado – sós ou na companhia de pessoas confiáveis e mais experientes e ponderadas –, nunca nelas lhes teria ocorrido participar.
A urgência de resultados, a competição social e institucional exacerbada, as lealdades corporativas, hierárquicas e pessoais arrastam muitos cidadãos, até aí exemplares, para situações impensáveis e, verdadeiramente, jamais desejadas.
E, todavia, quem assim procedeu não pode deixar de assumir a responsabilidade social pelo que fez, mesmo que, provavelmente, não tenha tomado nem nunca venha a tomar consciência da sua culpa.
No mundo atual, a questão da culpa vai, também ela, sendo empurrada com a barriga, até na medida em que faltam instrumentos sociais comummente reconhecidos e, fatalmente, o tempo adequado para a ponderação e avaliação dos atos que individualmente se praticam.
Neste mundo em que vivemos, a responsabilidade objetiva parece querer preencher todo o espaço de avaliação da virtude da ação: aquele que antes era partilhado, também, com a responsabilidade subjetiva e a culpa próprias do agente dela.
Deste jeito, comportamentos individuais antes impensáveis aparecem-nos demasiadas vezes como institucional e moralmente aceitáveis, mesmo que, depois, possam acarretar consequências que, afinal, não se previam, ou melhor, não se previram por nem ter havido verdadeiro tempo de reflexão para tal.
A lógica inexorável dos resultados exigíveis num mundo demasiado competitivo e rápido empurra com a barriga, lamentavelmente, toda a ponderação: não apenas a institucional mas, sobretudo, a individual.
Escreve à terça-feira