7 de agosto de 1960. Vinha do mar uma irresistível sede de cerveja

7 de agosto de 1960. Vinha do mar uma irresistível sede de cerveja


Os presidentes de Portugal e do Brasil foram a Lagos e a Sagres para o centenário do Infante


Lagos – capital naval de Portugal!

A prosa ganhava laivos de poesia: “Acordou o domingo morno e luminoso sobre a calma baía de Lagos e suas areias finíssimas e doiradas. O Algarve oferecia-se, em toda a sua langorosa beleza, ao olhar de quem viera das Terras de Vera Cruz trazer, nesta hora de alta afirmação lusíada, uma mensagem de amor à Pátria temporal e ao solo de longínqua origem, para lá do efémero dos homens e das contingências.”

E que brisa mágica fazia enfunar a Última Flor do Lácio, como lhe chamou Olavo Bilac?

Dois presidentes, lado a lado: o almirante Américo Thomaz e Juscelino Kubitschek.

Portugal e Brasil de braço dado.

Praça D. João ii; Avenida dos Descobrimentos; estátua do Infante D. Henrique.

As muralhas da antiga fortaleza.

A teimosa poesia da prosa: “A poente de Lagos, vai a caravana automóvel rodando por entre as mansas paisagens do Algarve meridional, entre amendoeiras e vergéis, não longe do oceano melodioso, até que, pouco avante de Luz, a transformação dos campos começa a impressionar aqueles dois ilustres visitantes com a aproximação da proa de Portugal, onde a vegetação pobre e rasteira se aconchega ao solo, quase desnudo e soprado por um vento de grandeza”.

Aldeias brancas, o povo à janela, à varanda.

Às nove horas da manhã já milhares de pessoas se amontoavam junto ao forte.

Cem navios de 18 países desfilaram pelo mar.

“Dalmáticas e alvas capas ondeantes com a cruz de Cristo a vermelho de sangue”: cavaleiros da Ordem de Cristo formavam uma guarda de honra.

“Chispam ao sol as cotas de malha e os capelos com capacetes de ferro.”

Diante do prisco Promontorium Sacrum, um impressionante e faustoso espetáculo naval.

Gente boquiaberta.

“Ohs!” exclamativos.

Os veleiros vão sulcando o oceano.

À cabeça do desfile, a Sagres. Depois o Juan Sebastián El Cano. Em seguida, o Gurch Fock.

Salvas de bateria sucedem-se. 

Navios-escola vieram de toda a Europa, desde o belga Mercator ao dinamarquês Danemarck e ao norueguês Christian Radich.

A força aérea portuguesa surge no céu em sulcos de fumo. E atrás dela o Comando Costeiro da Royal Air Force.

Representações ultramarinas protagonizadas pela Mocidade Portuguesa.

Os dois presidentes sobem a bordo do Vera Cruz. Monsenhor Moreira das Neves celebrou não uma, mas duas missas.

Um fervor religioso percorre os passageiros do navio.

Há moças que se excitam enquanto esperam o anunciado baile noturno.

As filhas do almirante Thomaz, por exemplo.

“Sagres sobre a imensidão do mar, um dos extremos mágicos do mundo de outrora, símbolo da vocação marítima de Portugal, de onde um príncipe, frio, audacioso e sonhador lançou as suas frotas à descoberta de outras margens do universo.”

Maria Candal, Deolinda Rodrigues, Max: os animadores da festa que irá prolongar-se até de madrugada.

Há quem se aguente a pé para ver nascer o sol. Outros recolhem-se cedo e cansados de um dia pleno.

Sete de agosto de 1960: centenário do Infante! Inaugura-se um padrão com a altura de dois metros, igual aos que os arrojados navegadores quinhentistas implantaram nas praias de todo o mundo. 

O bispo de Faro abençoa-o.

Ouve-se o hino: “Às armas! Às armas!”

O Vera Cruz rumou a Lisboa.

Os veleiros encaminharam-se para a baía de Cascais.

Na véspera, marinheiros vindos um pouco de toda a parte tinham alvoroçado a noite de Lagos.

Tinham fome e sede. Muita sede.

Numa barraca instalada especialmente pela comissão das comemorações henriquinas consumiram-se 50 mil sanduíches e mais de 20 mil cervejas.

A água do mar, salgada, traz consigo a vontade de beber.