Lagos – capital naval de Portugal!
A prosa ganhava laivos de poesia: “Acordou o domingo morno e luminoso sobre a calma baía de Lagos e suas areias finíssimas e doiradas. O Algarve oferecia-se, em toda a sua langorosa beleza, ao olhar de quem viera das Terras de Vera Cruz trazer, nesta hora de alta afirmação lusíada, uma mensagem de amor à Pátria temporal e ao solo de longínqua origem, para lá do efémero dos homens e das contingências.”
E que brisa mágica fazia enfunar a Última Flor do Lácio, como lhe chamou Olavo Bilac?
Dois presidentes, lado a lado: o almirante Américo Thomaz e Juscelino Kubitschek.
Portugal e Brasil de braço dado.
Praça D. João ii; Avenida dos Descobrimentos; estátua do Infante D. Henrique.
As muralhas da antiga fortaleza.
A teimosa poesia da prosa: “A poente de Lagos, vai a caravana automóvel rodando por entre as mansas paisagens do Algarve meridional, entre amendoeiras e vergéis, não longe do oceano melodioso, até que, pouco avante de Luz, a transformação dos campos começa a impressionar aqueles dois ilustres visitantes com a aproximação da proa de Portugal, onde a vegetação pobre e rasteira se aconchega ao solo, quase desnudo e soprado por um vento de grandeza”.
Aldeias brancas, o povo à janela, à varanda.
Às nove horas da manhã já milhares de pessoas se amontoavam junto ao forte.
Cem navios de 18 países desfilaram pelo mar.
“Dalmáticas e alvas capas ondeantes com a cruz de Cristo a vermelho de sangue”: cavaleiros da Ordem de Cristo formavam uma guarda de honra.
“Chispam ao sol as cotas de malha e os capelos com capacetes de ferro.”
Diante do prisco Promontorium Sacrum, um impressionante e faustoso espetáculo naval.
Gente boquiaberta.
“Ohs!” exclamativos.
Os veleiros vão sulcando o oceano.
À cabeça do desfile, a Sagres. Depois o Juan Sebastián El Cano. Em seguida, o Gurch Fock.
Salvas de bateria sucedem-se.
Navios-escola vieram de toda a Europa, desde o belga Mercator ao dinamarquês Danemarck e ao norueguês Christian Radich.
A força aérea portuguesa surge no céu em sulcos de fumo. E atrás dela o Comando Costeiro da Royal Air Force.
Representações ultramarinas protagonizadas pela Mocidade Portuguesa.
Os dois presidentes sobem a bordo do Vera Cruz. Monsenhor Moreira das Neves celebrou não uma, mas duas missas.
Um fervor religioso percorre os passageiros do navio.
Há moças que se excitam enquanto esperam o anunciado baile noturno.
As filhas do almirante Thomaz, por exemplo.
“Sagres sobre a imensidão do mar, um dos extremos mágicos do mundo de outrora, símbolo da vocação marítima de Portugal, de onde um príncipe, frio, audacioso e sonhador lançou as suas frotas à descoberta de outras margens do universo.”
Maria Candal, Deolinda Rodrigues, Max: os animadores da festa que irá prolongar-se até de madrugada.
Há quem se aguente a pé para ver nascer o sol. Outros recolhem-se cedo e cansados de um dia pleno.
Sete de agosto de 1960: centenário do Infante! Inaugura-se um padrão com a altura de dois metros, igual aos que os arrojados navegadores quinhentistas implantaram nas praias de todo o mundo.
O bispo de Faro abençoa-o.
Ouve-se o hino: “Às armas! Às armas!”
O Vera Cruz rumou a Lisboa.
Os veleiros encaminharam-se para a baía de Cascais.
Na véspera, marinheiros vindos um pouco de toda a parte tinham alvoroçado a noite de Lagos.
Tinham fome e sede. Muita sede.
Numa barraca instalada especialmente pela comissão das comemorações henriquinas consumiram-se 50 mil sanduíches e mais de 20 mil cervejas.
A água do mar, salgada, traz consigo a vontade de beber.