Reciclagem. E se pudesse trocar uma garrafa de plástico por comida?

Reciclagem. E se pudesse trocar uma garrafa de plástico por comida?


As metas comunitárias já são conhecidas e exigem que Portugal recicle 65% dos resíduos urbanos. Para isso, o governo tem uma série de iniciativas pensadas, com o objetivo de incentivar os portugueses a reciclarem mais. Uma delas passa por trocar objetos de plástico por produtos de consumo


Numa altura em que o plástico ganha estatuto de inimigo número um – com várias iniciativas no parlamento para a redução da utilização de plástico descartável -, a Comissão Europeia já anunciou um aumento das metas de reciclagem previstas para 2025 e Portugal terá de passar a reciclar 65% das embalagens existentes. Para isso, o governo irá investir em várias medidas que têm como objetivo incentivar os portugueses a reciclar cada vez mais.

A Sociedade Ponto Verde (SPV) mostra-se satisfeita com as imposições feitas pela Comissão Europeia: “Ainda que seja uma meta ambiciosa, é o reflexo do caminho que se quer percorrer para uma economia mais circular, porque significa uma maior reintrodução de materiais no ciclo”, disse Teresa Cortes, gestora de marketing e comunicação da SPV, ao i.

“Temos consciência de que temos quase que duplicar, num espaço curto, aquilo que são as metas que temos hoje”, reconhece o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins. Para isso, uma das iniciativas avançadas pelo governo foi a atribuição de um valor às embalagens entregues pelos cidadãos para reciclagem. “Nós vamos ter ainda este ano na Área Metropolitana de Lisboa – por iniciativa de um projeto que foi aprovado no âmbito do Fundo Ambiental – algumas experiências com base na oferta não de valores monetários, mas de produtos de consumo”, explicou ao i o secretário de Estado, referindo a existência de um acordo feito entre o governo e uma empresa de distribuição “de referência a nível nacional”. “Este é um projeto embrionário muito interessante que pode mobilizar as pessoas, ajudando-as a mudarem de comportamentos”, acrescenta.

A forma de financiamento do projeto ainda está em estudo, mas Carlos Martins avança que irá estar a cargo das entidades gestoras que têm responsabilidade pelas embalagens, ou seja a SPV, a Novo Verde e a Amb3e. “É essa análise que está a ser feita, não só a origem do valor com que depois podemos reembolsar os consumidores, mas também os custos necessários à implementação do sistema com máquinas”, afirma Teresa Cortes, dando destaque à necessidade de se “perceber se, no final, o retorno desta iniciativa em termos de materiais é viável para uma implementação” de um serviço completo, espalhado por mais pontos do país.

Para já, as pessoas vão poder receber e pesar os materiais que querem reciclar – por agora, a iniciativa destina-se apenas às garrafas de plástico usadas para armazenamento de bebidas. No entanto, o objetivo do governo é incentivar a que a entrega das embalagens seja voluntária, evitando a implementação de um sistema semelhante às antigas taras que existiam nas garrafas de vidro: “Os dez milhões de portugueses têm de ser ganhos a pensar nos bons gestos ambientais, e não só por motivações de natureza económica.”

Este não é o único projeto que o governo tem preparado para atingir as novas metas: “Temos um acordo com a associação das empresas das águas minerais e dos refrigerantes no qual é estipulado que, a partir de setembro, serão iniciados trabalhos regulares para fazer um calendário de iniciativas; temos também com a AHRESP [Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal] um conjunto de iniciativas para vir a identificar estabelecimentos hoteleiros e de restauração” que tenham boas práticas ambientais, descreve o secretário de Estado.

Números que não coincidem A Associação Zero, uma associação ambientalista que procura analisar as políticas ambientais, denunciou no final de 2017 uma discrepância entre os números de embalagens que pagavam Ponto Verde – o imposto obrigatório a todas as embalagens e que financia, através das entidades gestoras, os processos de reciclagem – e o número de embalagens que apareceram nos resíduos urbanos.

“Todas as embalagens que nós consumimos deveriam pagar Ponto Verde. Os dados que obtivemos foram 700 mil toneladas de embalagens que pagaram o imposto à SPV em 2016”, enquanto “nos resíduos urbanos existem 1250 milhares de toneladas de embalagens”, explicou ao i Rui Beckemeier, presidente da associação. “Foi um dado um bocado chocante” e que se manteve em 2017, segundo informações da Inspeção-Geral do Ambiente prestadas à associação.

Os dados analisados são oficiais, recolhidos junto da SPV e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para Rui Beckemeier, as empresas estão a fazer subdeclaração, ou seja, estão a colocar mais embalagens no mercado do que aquelas que declaram à entidade gestora.

Sobre este assunto, a SPV garantiu apenas que são feitas auditorias regulares às empresas, afirmando que “essa questão ultrapassa a SPV”. Já Carlos Martins vê a interpretação feita dos números como sendo “muito simplista”. “A declaração das quantidades colocadas no mercado já deixou de ser feita às entidades gestoras e passa a ser feita junto da própria APA, o que responsabiliza quem presta essa informação”, anuncia o secretário de Estado, acreditando que esta medida irá desincentivar qualquer subdeclaração. No entanto, para o secretário de Estado, a raiz do problema está nos chamados free riders – empresas que colocam embalagens no mercado sem contribuírem para a sua reciclagem – e nas embalagens que estão “num regime omisso”, como é o caso dos medicamentos vendidos pelas parafarmácias e que não integram a lista da Infarmed. Rui Beckemeier defende que os free riders não são a justificação desta discrepância.