Há festa na aldeia. Em A-do-Barbas  até os bolos vão  na procissão… E têm direito a andor

Há festa na aldeia. Em A-do-Barbas até os bolos vão na procissão… E têm direito a andor


É considerada uma das maiores festas do concelho de Leiria. Há espírito de união, mas também alguma rivalidade: todos querem ter a rua mais bonita da aldeia


A banda filarmónica a passar, o som dos passos lentos nas procissões, a euforia dos bailaricos e o cheirinho a farturas. Não há festa da aldeia sem um bom pezinho de dança ou um carrossel barulhento, mas o que dá graça a todas elas são os costumes das terras. Em A-do-Barbas, há andores cheios de bolos e guerras entre vizinhos para ver quem consegue o enfeite mais bonito. 

Entre 25 e 31de julho, esta aldeia da freguesia de Maceira, concelho de Leiria, veste-se a preceito para comemorar as festas em honra de São Tiago e Nossa Senhora da Piedade. E há muitos anos que assim é: “Ao que se sabe, estas celebrações começaram há mais de 100 anos”, explicou ao i João Bonifácio, membro da comissão de festas. 

Se muita coisa pode mudar num século, muitas outras se mantêm por tradição – a parte religiosa da festa sempre foi um dos aspetos mais importantes e ainda hoje ocupa um lugar de destaque no cartaz. “Os festejos são inaugurados (por regra à quarta-feira, havendo depois uma repetição na quinta-feira) com a celebração de uma missa, seguida de uma procissão ‘das velas’, que percorre e ilumina as ruas da aldeia e que normalmente conta com cerca de 500 crentes, locais e não só, cada um deles erguendo uma vela acesa. Todas as casas e ruas são iluminadas com velas ou outros pontos de fogo, o que, acompanhado dos cânticos e orações que vão sendo entoadas durante a procissão, cria uma atmosfera de fé”, diz João Bonifácio. “Domingo e segunda-feira à tarde são os dias em que os santos saem à rua, em procissão. Enquanto São Tiago é enfeitado com flores, a Nossa Senhora é adornada com um manto azul repleto de peças de ouro, que fazem parte do espólio da capela de A-do-Barbas e que foram sendo ofertadas em promessa pelos crentes. Estes andores saem à rua apenas estas duas vezes por ano e são ‘levados’ na procissão por crentes que fizeram promessas nesse sentido, percorrendo quase toda a aldeia, com ruas cheias de feno e murta e alguns passeios de flores”, acrescenta.

Um aspeto curioso desta procissão é que, contrariamente à maioria, não tem um percurso fixo – a única regra é que tem de passar à porta do festeiro, a pessoa responsável naquele ano pela organização da festa. Os aldeões não sabem se as figuras religiosas irão passar à sua porta, mas, como diz o ditado, “mais vale prevenir do que remediar”: os vizinhos organizam-se e decoram as suas ruas, tentando fazer das suas portas as mais vistosas da aldeia. Há até alguma rivalidade entre as ruas: “Todos os anos se discute qual é a mais bonita”, diz João Bonifácio. 
Muitas das decorações são feitas com plástico, mas a organização começa a ter em conta as questões ambientais e a promover outras formas de enfeitar as ruas: “Os enfeites que tradicionalmente eram de plástico começam a dar lugar ao papel pelas questões ambientais e os materiais tentam aproveitar-se para o ano seguinte ou para festas das aldeias vizinhas.”

Outra das tradições mais engraçadas relacionadas com a procissão tem a ver com os bolos tradicionais: há andores ‘exclusivos’ para o transporte destas iguarias. “Para além dos santos, as procissões contam ainda com dois andores repletos de bolos típicos, que são conhecidos como ‘bolos de poceira’. Os andores chegam a pesar 300 quilogramas e são devidamente enfeitados pelos ‘andoreiros’, grupo de pessoas responsáveis pela confeção dos bolos e decoração do transporte. Estes doces são vendidos no final da procissão, numa venda que é feita em tom de ‘licitação’”, explica o membro da comissão de festas, revelando que “este momento constitui uma importante receita da festa”.

Tradições e modernices Há 100 anos, a festa contava apenas com os músicos da terra. Hoje, todas as comemorações das aldeias têm concertos com os maiores nomes da música popular. Este ano, a festa de A-do-Barbas conta com a atuação de grupos musicais como os Grafitti, Hi-Fi e Banda Xeques (ver o cartaz ao lado). “Noutras edições, a festa contou com nomes como UHF, José Cid, Quinta do Bill ou David Antunes & Midnight Band”, recorda João Bonifácio. A população mais velha já se rendeu aos tempos modernos e até aceitou instalar uma discoteca no recinto da festa, que está aberta até às 06h00.

Mas não é só de música que se faz a festa de A-do Barbas: “Durante os dias de sexta e sábado, as celebrações religiosas dão lugar a momentos de convívio, que incluem uma esplanada principal de refeições com mais de 200 lugares sentados. Chega a haver filas de 200 pessoas que esperam para conviver e comer frango assado, moelas, morcelas, as famosas enguias fritas e variadíssimos petiscos. Esta esplanada, com a crescente fama e afluência, obrigou as comissões de festas a criar logísticas próprias e a fazer investimentos em equipamento e infraestruturas – investimentos esses bastante consideráveis se tivermos em conta que se trata de uma festa da aldeia, dependente de donativos, patrocínios e das receitas da festa propriamente ditas”, explicou João Bonifácio, revelando que, numa das últimas edições, a festa chegou a ter 20 mil euros de lucro. 

“O domingo começa com a ‘alvorada’, uma forma diferente de acordar a aldeia em festa. A Banda Filarmónica percorre as ruas acompanhada por membros da organização, que fazem um peditório. É um momento engraçado em que várias famílias têm a tradição de abrir as suas portas e presentear os membros da banda com petiscos e outros presentes”, acrescenta.

Este ano, quem for a A-do-Barbas pode ouvir muita música, assistir a uma prova de ciclismo, participar nas procissões e aproveitar o fogo-de-artifício. Para quem gosta das festas da aldeia, esta tem tudo o que se quer. Para a semana, a paragem será outra.