Reforma constitucional. Mudar a economia para salvar o socialismo cubano

Reforma constitucional. Mudar a economia para salvar o socialismo cubano


Com uma economia a crescer muito pouco, Cuba muda a Constituição para que esta se abra à iniciativa privada e já não aspire a ser “comunista”


Cuba está a mudar. Já não só de cara, também de essência. O comunismo abre espaço ao socialismo e a sociedade centralizada quer-se abrir cada vez mais à iniciativa privada. E a nova Constituição cubana será uma peça chave nessas mudanças. Com o rascunho da nova lei fundamental aprovado na Assembleia Nacional do Poder Popular, o povo cubano irá nos próximos meses expressar a sua vontade em referendo. Se for aprovado – e não se imagina que não seja -, a Assembleia voltará a discuti-lo.

Tentando fazer a quadratura entre a manutenção do regime e a sua abertura económica e social, o rascunho da lei fundamental introduz mudanças significativas: atração de investimento estrangeiro, autoriza a propriedade privada, a legalização do casamento para pessoas do mesmo sexo, a presunção de inocência, a reestruturação do órgão executivo, com a criação do cargo de primeiro-ministro, do presidente e de vários vice-presidentes. E com o pormenor de já não querer “avançar para a sociedade comunista”, mas para uma “socialista”.

Todavia, o Partido Comunista Cubano (PCC) continua a ser o partido do regime e o único legalmente estabelecido. Esta nova Constituição substituirá a de 1976, quando Fidel Castro estava à frente dos destinos da ilha. 

As mudanças em Cuba não vêm de agora. Os primeiros passos começaram a ser dados em 2012, quando o líder do país, Raúl Castro, irmão de Fidel, discursou perante a Assembleia Nacional para defender um novo rumo para Cuba. “Temos de deixar para trás o fardo da velha mentalidade e criar com uma vontade transformadora e imensa sensibilidade política a visão para o presente e futuro da nossa pátria”, disse Castro, perante centenas de deputados, acrescentando que era preciso fazê-lo sem abandonar, nem por um momento que fosse, “a doutrina marxista-leninista que constitui a fundação ideológica” da revolução cubana. 

Com 87 anos, Raúl Castro passou o poder a Miguel Díaz-Canel Bermúdez em abril, mas mantém-se na liderança do PCC até 2021 e da comissão de reforma constitucional, controlando o processo. 

Díaz-Canel é o primeiro presidente civil desde a revolução de 1959. Não traz o currículo da luta na Sierra Maestra contra o regime de Fulgencio Batista e apenas conhece a Cuba revolucionária. Indicado por Castro para assumir a liderança dos destinos do país, Díaz-Canel Bermúdez teve de se afirmar num país habituado a líderes fortes e com um passado em linha com o do regime. O projeto da nova Constituição é um marco na sua recente liderança. 

“Podemos afirmar que estamos diante de um projeto que contribuirá, após a consulta popular e o referendo, para fortalecer a unidade dos cubanos em torno da Revolução”, explicou o líder cubano num discurso aos deputados da Assembleia Nacional. “Este exercício de participação direta do povo adquire a maior relevância política e será mais um reflexo de que a Revolução se sustenta na mais genuína democracia”, acrescentou. 

No seu discurso, Díaz-Canel não se ficou pelas promessas e elogios ao passado. Elencou os sérios desafios com que Cuba se confronta: o “discreto comportamento da economia”, que cresceu uns míseros 1,1% do PIB, por as receitas do turismo e das exportações terem ficado abaixo do esperado, não esquecendo a frágil capacidade produtiva da economia cubana. Uma situação que, segundo o líder, exige um esforço redobrado, mas sem colocar em causa a garantia dos serviços básicos à população. “Nessas circunstâncias, o esforço deve ser multiplicado e não renunciar ao cumprimento dos principais objetivos expressos no plano, fundamentalmente aqueles relacionados à garantia de serviços básicos à população e ao desenvolvimento”, disse Díaz-Canel. 

As dificuldades da economia não são de agora. Com a queda da União Soviética e sob embargo económico há cinco décadas por parte dos Estados Unidos, o setor produtivo do país não tem sido capaz de se inovar, acompanhando os tempos. Uma das principais dificuldades é precisamente a escassez de investimento, que se encontra abaixo dos 12% do PIB, fazendo com que Cuba figure no fim da lista dos países da América Latina – um problema que a nova Constituição espera resolver. Situação que faz com que que as condições de vida dos cubanos se tenham degradado. 

Todavia, um balão de oxigénio para a economia cubana tem sido o turismo, ainda que não nos valores esperados pelo regime. Em 2014, três milhões de pessoas visitaram o país e, em 2017, este  número subiu para os 4,7 milhões em 2017, batendo o recorde. 

Se a captação de investimento estrangeiro é uma prioridade para o regime, para o conseguir decidiu reconhecer a propriedade privada. Não é que não existisse antes sob a forma individual, de cooperativas, mas agora dá uma oportunidade às empresas para que possam florescer numa lógica de mercado. As empresas privadas não passam de micro e pequenas empresas, não obstante o facto de empregarem cerca de 13% (591 mil pessoas) do total da força de trabalho. Apesar de autorizar a iniciativa privada, a Constituição considera que as empresas estatais são os principais sujeitos e motores da economia nacional, reconhecendo-lhes agora o princípio da autonomia.