Por estranho que possa parecer, a semana anterior não tinha corrido mal a Trump. A cimeira da NATO só teve um tema e um só protagonista, como é do agrado de “The Donald”. E mesmo que o método Trump aplicado à NATO seja corrosivo da coesão da aliança, europeus e canadianos perceberam que têm de aumentar os respectivos orçamentos para a defesa. Trump surgiu como o defensor do contribuinte americano, o que, na campanha para as midterm elections de Novembro, não deixará de pesar a favor dos republicanos (ou dos candidatos fora do GOP que Trump se lembre de apoiar).
Claro que a cimeira da NATO, com o confronto entre Trump e os restantes 28 aliados, também correu bem a Putin. A ameaça de um abandono da NATO pelos EUA integra o top-10 dos sonhos de qualquer ocupante do Kremlin. Qualquer que fosse o resultado da cimeira da NATO, a simples realização imediatamente a seguir de uma reunião entre Trump e Putin seria de molde a provocar calafrios aos aliados, em particular aos que já tiveram o privilégio de integrar o Pacto de Varsóvia.
Não sabemos o que Trump e Putin discutiram em Helsínquia. A avaliar pelas sucessivas versões dadas por Trump sobre o que disse, o que não disse e o que deveria ter dito na conferência de imprensa conjunta com Putin, também não é certo que Trump saiba o que discutiu com Putin.
O exercício do poder é uma actividade simbólica. Tão mais simbólica quando os protagonistas vivem da invocação de símbolos de poder que já não têm correspondência com a realidade. Putin tem uma necessidade absoluta de ser reconhecido como líder de uma superpotência. E esse reconhecimento só pode ser feito pelo líder da hiperpotência sobrante. Conferir à Rússia um estatuto de paridade com os EUA com base na proximidade do calibre dos respectivos arsenais nucleares é fazer regredir o equilíbrio de poderes ao período anterior ao da queda da URSS. E de caminho significa passar uma esponja sobre as tropelias de Putin, quer no plano internacional (bastam as referências geográficas Estados bálticos, Geórgia, Crimeia, Ucrânia, Síria, Irão…) quer no plano interno (oligarcas, direitos fundamentais, separação de poderes, independência dos tribunais, eleições, oposição ou a falta dela).
A única razão perceptível para Trump ter aceitado jogar este jogo é a queda para a lisonja. Lidar com Putin num plano de igualdade acaricia o ego de Trump e fá-lo sentir-se poderoso na companhia de um “líder forte”. É, pelo padrão tradicional da troca de porcos por chouriços, um mau negócio e faz-nos desconfiar que Trump não só não escreveu como também não leu “The Art of the Deal”.
Esta é a interpretação benigna. Dentro das teorias da conspiração multiplicam- -se as que consideram que a interferência russa nas últimas eleições presidenciais americanas foi feita com o conhecimento dos hierarcas da campanha de Trump. Os serviços de informação adoram coleccionar material comprometedor que permita controlar políticos. Por alguma razão a técnica do kompromat remonta aos anos 30 dos serviços de informação russos, prosperou com Estaline e tem-se mantido de boa saúde. Questionado por um jornalista na passada segunda-feira durante a conferência de imprensa conjunta em Helsínquia, Putin garantiu que os russos não têm na sua posse kompromat relativo a Trump. Ficamos muito mais descansados. Questionado sobre o tema, Trump preferiu mudar de assunto.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990