Mira Amaral, conhecido pela sua ligação ao PSD e também a Cavaco Silva – de quem foi ministro da Indústria e Energia –, teve várias reuniões com o Bloco de Esquerda já no tempo da geringonça para analisar a área da energia, apurou o i. Os bloquistas acabaram por entregar uma proposta de comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade que foi aprovada em maio. Mira Amaral, que é um dos grandes críticos das compensações atribuídas à EDP, esteve mais de seis meses na administração da elétrica em 2004, altura em que a empresa era liderada por João Talone, durante o governo de Durão Barroso.
Agora, o ex-ministro foi chamado ao parlamento na qualidade de criador dos CAE (contratos de aquisição de energia), criados em 1995 durante o mandato de Cavaco Silva, que mais tarde eram lugar aos CMEC (custos para a manutenção do equilíbrio contratual), em 2007. No entanto, aos deputados afastou essa responsabilidade, apontando o dedo ao governo de António Guterres. “Não fui o ‘pai’ dos CAE. OS CAE às centrais da EDP são de 1996, não foram comigo, mas do governo de António Guterres”, referiu, lembrando ainda que estas compensações deviam ter sido ajustadas antes da privatização da empresa liderada por António Mexia.
O ex-ministro da Energia apontou também baterias ao executivo de José Sócrates, acusando-o de ter criado um “monstro elétrico”. Ao mesmo tempo, criticou “o excesso de potência eólica instalada” no país e o seu impacto no sobrecusto das energias renováveis na fatura elétrica dos portugueses. “O monstro elétrico foi criado pelo governo de Sócrates com Pinho como ministro”, acusou Mira Amaral, criticando “o cocktail explosivo” que se criou com “as tarifas garantidas” pagas aos produtores eólicos e o “excesso de capacidade instalada” num cenário de consumos estagnados.
“Embelezar a noiva”
Para Mira Amaral, a passagem dos contratos de aquisição de energia para os custos para a manutenção do equilíbrio contratual tem custos muito elevados e deu uma justificação: “Ao atribuir CAE à EDP, dava uma previsibilidade [às receitas da empresa] e tornavam-na mais atrativa para a privatização. Sei como os governos funcionam, normalmente gostam de embelezar a noiva antes da privatização. Acho que este foi um argumento determinante”, declarou. Mas lembrou que foi o Estado a ser o maior beneficiado com as várias fases de privatização da EDP.
“Quando as empresas são vendidas com CAE ou CMEC, é o Tesouro que faz o encaixe”, afirmou, e chamou ainda a atenção para a sua experiência como governante ao lembrar que “o ministro das Finanças manda mais do que os ministros setoriais. É sempre a preocupação de encaixe para o Tesouro que é determinante.” Ainda assim, defendeu que os investidores que entraram na EDP depois de 2007 “têm de ser respeitados”.E deixou uma garantia: “A EDP não é culpada. Foi forçada a mudar dos CAE para os CMEC.”
Já na semana passada, Pedro Sampaio Nunes, antigo secretário de Estado da Ciência e Inovação, acusou os atuais contratos de servirem para engordar a EDP para a privatização. “Os CMEC foram para engordar o porco (EDP) para depois o vender (privatização), mas isto à custa da competitividade do país”, disse Sampaio Nunes, afirmando ainda que estes custos são ilegais e estão a ser pagos pelos consumidores.
Recorde-se que estas alterações resultaram de uma imposição da Comissão Europeia em 2004, durante o governo de Durão Barroso – era Carlos Tavares, que veio posteriormente a ocupar a presidência da CMVM e está a atualmente a presidir à Caixa Económica Montepio Geral, o ministro da Economia –, mas foram postas em marcha em 2007 pelo ex-ministro da Economia Manuel Pinho, duranteo governo de José Sócrates.
O certo é que nem todas as empresas de energia cumpriram a passagem dos contratos de aquisição de energia para os custos para a manutenção do equilíbrio contratual que foi imposta em 2007. A EDP, que na altura tinha como principal acionista o Estado, fez essa passagem, ao contrário dos produtores de energia concorrentes – Turbogás e Tejo Energia, alegando complexidade legislativa. Feitas as contas, a taxa de remuneração dos contratos CAE apresenta menos riscos, até por ser mais previsível. A explicação é simples: a remuneração destes contratos mantém-se sempre no mesmo valor garantido, independentemente da gestão da produção de energia ser boa ou má – uma situação bem diferente da que se vive com os CMEC, cuja compensação tem de ser negociada com o governo.
A ideia é funcionar como uma compensação na receita de venda da energia pelas centrais, em que o indicador fundamental para as contas é a previsão do preço da eletricidade no mercado grossista. Isto significa que, quanto maior for este preço, menor é a compensação a que a empresa tem direito, porque o CMEC tem como finalidade compensar a EDP caso as receitas fiquem abaixo dos níveis fixados nos contratos originais.
Esta comissão tem como objetivo analisar a “dimensão dos pagamentos realizados e a realizar por efeito dos regimes em vigor” e o “efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos administrativos realizados no âmbito dos CMEC e dos CAE pelos governos entre 2004 e 2018”.