Talvez depois do excelente e muito british “45 Anos”, que deu a nomeação para o Óscar a Charlotte Rampling, em 2015, ao lado de Paul Courtenay, se esperasse algo diferente do britânico Andrew Haigh. Pelo menos não esperávamos esta variante de road movie pela pradaria americana seguindo um adolescente solitário à procura da tia. E ainda bem. “O Meu Amigo Pete” é daqueles filmes que não pedem licença para existir nem se põem em bicos de pés. Até porque atravessa esse território dos desamparados. No caso, o do destino que liga a solidão da personagem do jovem Charlie Plummer (ele que assumiu a personagem de John Paul Getty iii, o neto de John Paul Getty, em “Todo o Dinheiro do Mundo”, de Ridley Scott), à do cavalo Lean On Pete, o nome que dá o nome ao filme, sem possibilidade para as corridas e na rota do abate. Aqui mantém essa relação especial com o cavalo e que nos seduz de uma forma tão inesperada como gradual. Talvez porque este realizador que tem agora precisamente 45 anos recuse o mais óbvio. Se calhar, até foi por isso que depois foi aceitar fazer uma minissérie para televisão? Essa e outras dúvidas foram sendo esclarecidas ao longo desta entrevista, quando o filme passou em estreia mundial no Festival de Veneza, em setembro passado.
Será que podemos traçar algum paralelismo entre “45 Anos” e este “O Meu Amigo Pete”? Pergunto isto porque parecem, à partida pelo menos, projetos completamente distintos.
Talvez sim, talvez não. Se pensar bem, tanto em “45 Anos” como neste filme, o elemento do isolamento está bem presente. Na verdade, acho até que a maior parte do tempo acabamos por inevitavelmente estar sozinhos, e por isso passamos tanto tempo a tentar superar essa sensação de solidão. Seja através de relacionamentos, dos nossos empregos. Talvez o elemento aglutinador das várias histórias que fiz seja mesmo a vontade de escapar desse isolamento. É um pouco isso que se passa com o Charley (Charlie Plummer), embora essa seja apenas uma camada mais visível.
Sente que essa abordagem do isolamento acaba por estar ligada ao seu trabalho?
É um pouco isso. Até porque estou a trabalhar em diversos projetos é quase frustrante pensar que chegamos sempre a alguém que está a tentar escapar a esse isolamento. Isso interessa-me bastante.
Por isso aderiu a esta história com um cavalo? Sabemos que existe algo quase terapêutico numa relação humana com cavalos. Qual é a sua experiência com cavalos?
A única experiência que tive foi cair de um cavalo. (risos) Isto quando tinha apenas oito anos. Portanto, não se pode dizer que seja uma ligação que tenha. Mas percebemos essa ligação, por exemplo quando Charley se aproxima de Lean on Pete. Afinal de contas, era o único ser com quem conseguia exprimir os seus sentimentos.
E como foi a sua ligação com o cavalo, conseguiu dirigi-lo também? (risos)
Por acaso era um cavalo muito bem treinado, embora com os cavalos de corrida isso já seja diferente, pois são bem mais temperamentais. Foi um desafio, mas correu bem, pois os tratadores fizeram bem o seu trabalho.
Pensou em alguns outros filmes que exploram essa relação entre um rapaz e um animal? Como o Kes, do Ken Loach (“Os Dois Indomáveis”, de 1969), que será talvez um exemplo óbvio?
Por acaso, quando falei a primeira vez com o Willy (Vlautin, autor do livro), na altura em que estava a tentar adquirir os direitos, falámos sobre os filmes que me inspiravam e o “Kes” foi um deles – de resto, um filme de que ele gostava muito. Mas há uma coisa: é que, apesar de ter feito este filme, isso não significa que seja um grande entusiasta dessa ideia do rapaz e do animal. É claro que o “Kes” é um filme incrível e revi-o recentemente na altura da preparação para este filme. E percebi que é um filme que mantém a sua frescura depois de tantos filmes. Mas não fui ver o “Black Beauty” (1994) ou filmes de corridas de cavalos, se calhar porque não queria que as minhas corridas de cavalos se parecessem com o “Seabiscuit” (2003).
Como foi rodar nos Estados Unidos? Sentiu muitas diferenças em relação ao seu modo de trabalhar na Europa?
É claro que são equipas muito mais numerosas e em que está tudo muito definido, até porque existem muitas regras dos sindicatos. Por exemplo, mesmo como realizador não estou autorizado a alterar nada – algo estranho para quem vem do meio independente. Talvez por se fazerem menos filmes na Europa, as pessoas sejam mais apaixonadas e dedicadas àquilo que fazem, mas tudo correu bem. Mas há algo na América, a sensação de liberdade e de poder ir para o Oeste, que tem muito a ver com a história, apesar de ele viajar para leste. Achei isso interessante no filme, como uma espécie de western ao contrário.
Quando fala nos projetos que está a desenvolver sente que poderão passar mais pelos EUA ou regressará à Europa?
Na verdade, tudo depende da história. Há um projeto que se passa nos EUA, mas outro em Inglaterra e um ainda na Grécia. Ou seja, não tenho nenhum desejo desesperado de trabalhar na Europa. Apenas quero fazer os filmes que fazem sentido. Quando se faz um filme que tem algum sucesso, talvez possa existir a pressão de fazer algo numa escala maior. É claro que depois de “45 Anos” recebi alguns guiões sobre pessoas mais velhas – algo que me surpreendeu: por que razão iria eu fazer outro filme assim? Será que agora vou receber guiões para filmes sobre animais? Ou talvez até sobre pessoas velhas com animais… (risos)
O que fará então, já sabe?
Sim, uma série de cinco episódios da HBO baseada num livro chamado “The North Water”. Vamos ver, pois é um projeto bastante grande. É sobre um baleeiro em meados do séc. xix, no Ártico. Ou seja, vou de cavalos para baleias… (risos) Depois tenho outros projetos em diferentes etapas que espero concretizar.
Como foi a descoberta do Charlie? Sobretudo para assegurar o protagonismo sem ter uma grande experiência?
É verdade. Ele participou num casting muito desgastante. Mas a demo que nos enviou despertou-nos a atenção, foi sempre considerado nas diferentes fases e acabou por ficar.
Sentiu necessidade de evitar que o filme se tornasse algo sentimental?
Este é um filme sobre um rapaz e um cavalo, e sobre um rapaz que procura a sua tia. Portanto, sabia que corria esse risco, mas também sabia que não era por aí que queria ir. Sabia que não queria essa imagem mais ou menos perfeita que todos imaginamos. Foi um equilíbrio delicado.
Steve Buscemi é sempre uma personagem marcante em qualquer filme que entre. Como foi a sua chegada a este filme?
Claro que queria trabalhar com ele, mas ao mesmo tempo evitar o seu lado mais marcado daquelas personagens resmungonas. Tanto o Steve como a Chloé conheciam bem a história, mas sabiam que não deveriam sobrepor-se a essa personagem. De qualquer forma, é sempre um luxo poder trabalhar com um ator como o Steve e também com a Chloé.
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