Testemunhos. Mais do que exercício, um estilo de vida

Testemunhos. Mais do que exercício, um estilo de vida


Cláudia ficou sem emprego e virou-se para o ioga como forma de sustento. Pedro não precisou de mudar de profissão, mas usou esta atividade como forma de complementar a que já tinha. Rui vê esta prática quase como um full-time. O ioga mudou a vida destas pessoas, cada uma à sua maneira 


Rui Barreto. Ioga é "uma revolução"

Jovem de 23 anos teme a expansão desta prática, uma vez que acredita que é necessário preservar a sua “integridade e raízes”

Estudou gestão e foi no ensino secundário que Rui Barreto experimentou fazer ioga pela primeira vez.

“Quando andava na escola, em Educação Física, a minha professora fazia exercícios de ioga e a saudação ao sol é um conjunto de posturas que ainda hoje faço”, explicou ao i. 

Contudo, admite que “nessa altura sentia mais benefícios a nível físico, nomeadamente em relação à postura e à força física. Mas hoje é uma técnica que vai além do físico, é um apoio espiritual no dia-a-dia”. 

Depois de começar a familiarizar-se com esta prática, Rui passou a encarar o ioga como “uma revolução”: “A componente do ioga que atua sobre a mente leva-nos a um silenciamento da mesma e toda a vertente oriental traz um desafio e um conhecimento revolucionário para o conhecimento ocidental. É estranho falar na nossa sociedade sobre isto, mas [os benefícios] já começam a ser confirmados pela ciência.”

Para o jovem de 23 anos, esta prática, “tão abrangente” que pode tornar-se “uma crença e um estilo de vida”. Tem de ser ensinada pelas pessoas certas devido à sua complexidade – é por isso que “a formação demora muitos anos e as escolas não passam a maioria dos alunos”.

“Os efeitos a longo prazo são transformadores. Se analisarmos, os professores de ioga são pessoas muito conhecedoras (….) com graus de felicidade, autoaceitação e autoconhecimento muito elevados”, acrescentou.

Rui, que foi inspirado pelo ioga a criar o “rdopeito”, um projeto de ecologia através da imagem e das palavras, acredita que “quem não pratica ioga vai começar a praticar”, mas defende que deve existir um “cuidado” para que “não se percam a integridade e as raízes, que é o problema da expansão”.

Ana Soares. Devia ser como lavar os dentes 

Ana diz que esta prática a ajudou a encarar a esclerose múltipla com outros olhos e usa as redes sociais para contar a sua história

Ana Soares tem 40 anos e pratica ioga há quase 20. Tudo começou numa altura em que trabalhava em jornais diários, como o i – no ioga encontrava “uma forma de exercitar o corpo ao mesmo tempo que tranquilizava a mente e reduzia o stresse”.

“Apaixonada” desde o primeiro dia pela prática, Ana admite que aprendeu a “usar o corpo, a respiração e a mente” a seu favor e que “tudo o que aprende na prática [do ioga] é para ser usado na vida lá fora”.

Mas o verdadeiro desafio chegou quando já estava a fazer formação para ser instrutora: um diagnóstico de esclerose múltipla mudou para sempre a sua vida. 

“Aquando do único surto que tive até agora fiquei com dificuldades em andar, escrever, estar de pé, por não ter equilíbrio. Assim que cheguei a casa e fui capaz, sentei-me no tapete e fiz alguma prática de ioga (…) Lembro-me que cheguei a cair e a bater no móvel da sala”, afirmou, acrescentando que depois desse dia começou a dedicar-se mais à meditação e a fazer algumas das posições mais simples.

Um mês depois deste episódio, Ana marcou uma aula e conseguiu “fazer quase toda sem problema”, o que lhe deu “confiança” para avançar para a prática regular.

Ana considera que toda a recuperação se deu graças ao ioga, uma vez que os médicos não “receitaram fisioterapia”. Hoje, a já instrutora de ioga assume que foi a prática que a ajudou no equilíbrio, que era um dos seus piores sintomas, mas também na parte emocional, dando-lhe “bom humor e coragem” para não se deixar “ir abaixo”.

Sendo ela mesma a prova dos benefícios do ioga, Ana defende que esta prática devia tornar-se algo automático: “É uma pena que [o ioga] não faça parte da rotina de todos nós, tal como escovar os dentes.”

Para partilhar a sua história e também o seu trabalho dentro do ioga, Ana Soares criou o blogue Inspira Yoga Integral. 

Pedro Vieira. Ajuda a "descobrir a essência"

Ator de profissão, Pedro Vieira decidiu apostar mais nesta prática e tirar formação. Hoje é professor de tantra-ioga

Pedro Vieira tem 34 anos e a sua primeira experiência com o ioga foi em 2010. Bastou um panfleto num restaurante vegetariano e a vontade “de levar mais longe o seu caminho no autoconhecimento” para levar este ator de profissão a um workshop. 

Depois desse primeiro contacto, de “iniciação em algumas posturas de ioga”, Pedro percebeu que cada uma delas tinha uma função específica. Mais do que os efeitos físicos, “havia um aperfeiçoamento das qualidades humanas através do uso da lei da ressonância e do controlo da atenção”.

Com o tempo foi sentindo “uma melhoria da capacidade de foco, um aumento da capacidade de amar e ser amado”, adquirindo também “a capacidade de parar as flutuações da mente e viver o aqui e agora”, disse ao i.

Para o artista, atualmente a viver em Budapeste, a abordagem puramente física do ioga “é como explorar apenas a ponta do iceberg. Há melhorias a nível da saúde e do tónus do corpo, mas o propósito fundamental do ioga é a expansão contínua da consciência e da revelação do nosso self”.

Depois das perguntas frequentes dos amigos, o seu testemunho levou alguns a começar a praticar ioga, mas surgiu também “um desejo de partilha mais profundo, de querer ensinar”. Assim, Pedro começou a formação e tirou o curso de professor de tantra-ioga.

Esta prática trouxe também benefícios para a sua profissão: considera que o ioga o tornou mais focado e motivado. Reflete mais sobre cada dia de trabalho e sente os efeitos desta atividade quando interage com o público.

Pedro diz que inicialmente é difícil “abandonar o ego”, mas vale a pena descobrir a “nossa própria essência” através do ioga.

Cláudia Praça. Trocou as salas de aula pelo tapete 

Sem perspetiva de emprego, esta mulher de 39 anos viu no ioga uma oportunidade de carreira. Hoje é instrutora e escritora

Se, para muitos, o ioga é um escape, para Cláudia Pinto Praça significa mudança de vida.

Durante 12 anos foi professora no ensino público. Já praticava ioga nessa altura e sentia que acabava por beneficiar muito com isso, uma vez que “sendo uma profissão com um considerável nível de stresse, sentia que o ioga ajudava a equilibrar as emoções e a recuperar a calma depois de momentos mais exigentes”. Tudo isto porque ter “maior consciência das nossas emoções permite-nos agir de forma menos reativa e evitar muitos conflitos”.

Depois de ter ficado sem emprego, Cláudia, que começou a levar a filha para as aulas de ioga, decidiu aceitar o desafio de uma das professoras e começou uma formação para se tornar instrutora para crianças.

“Fiz a formação numa época em que fiquei sem colocação e quando comecei a dar as primeiras aulas experimentais de ioga para crianças gostei imenso da associação entre o ioga e as histórias para crianças”, explicou ao i.

Depois de perceber que não havia nenhum livro original em português sobre o ioga e as crianças, decidiu lançar-se nessa aventura e, em 2014, nasceu o projeto “Ioga entre Histórias” com a edição de “O Leão que Perdeu a Juba”.

“A ideia é chegar até ao universo das crianças para que elas tenham naturalmente gosto pela prática do ioga. E isso faz-se através de jogos, canções, brincadeiras e histórias, tendo cada livro uma série de posturas de ioga associadas aos animais da história”, acrescentou.

Enquanto mãe e professora, Cláudia, de 39 anos, defende que “os benefícios prendem-se com o crescimento equilibrado, com a forma como libertam as tensões e emoções através do corpo e aprendem a reconhecer o que sentem”, mas também é importante na medida em que “é uma prática virada para a cooperação e entreajuda, e não para a competição”.

*Texto editado por Joana Marques Alves 

 

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