Das 164 propostas avançadas pelo Programa Nacional de Coesão Territorial e pela Unidade de Missão para a Valorização do Interior, criados pelo governo no início de 2017, 122 já foram concretizadas. Em falta ficam 18 iniciativas que ainda não foram iniciadas e 24 que estão em curso. As 18 que faltam “têm a ver com áreas dispersas que vão desde a conexão à tecnologia”, explicou ao i a deputada Susana Amador. No entanto, o processo “está numa fase de avaliação e, por isso, também as propostas do Movimento pelo Interior e outras que possam surgir serão integradas para uma fase dois deste programa para a coesão do interior”, explica a deputada.
O Movimento pelo Interior, criado pelo presidente da Câmara da Guarda e dos Autarcas Social Democratas, Álvaro Amaro, apresentou um conjunto de ideias para a valorização da região interior baseado em três pilares: medidas para a política fiscal, medidas para a educação, ensino superior e ciência e medidas para a ocupação do território pelo Estado. Sobre a inclusão das medidas propostas no programa do governo, o autarca recusa a necessidade de negociação, uma vez que “agora só têm de decidir”. “Nós não podemos obrigar ninguém”, acrescentou, desafiando o governo a ter “coragem para aplicar estas medidas”.
Segundo as propostas integradas no relatório publicado em maio, os investimentos, sejam públicos ou privados, superiores a 25 milhões de euros, e que têm um regime de contratualização com o Estado, “só devem acontecer no interior”. Para além disso, Amaro destaca ainda a necessidade de aumentar para 25%, em seis anos, o número de alunos nas universidades e politécnicos do interior, a criação de um “Erasmus nacional” entre as faculdades e a transferência, “nos próximos 12 anos, de 25 serviços do Estado” para a região interior. “O que nós queremos não é as placas, é as pessoas. Os funcionários públicos, para virem, têm uma majoração de um ano de ordenado pago em três prestações”, explica Amaro, destacando ainda alguns incentivos ao nível da habitação.
Também a pensar na deslocação dos cidadãos para o interior, o governo anunciou, no âmbito da nova geração de políticas de habitação, o programa Chave na Mão, que facilita a mobilidade entre as zonas metropolitanas e o interior. O programa permite que um habitante de Lisboa, por exemplo, possa ir trabalhar e morar para Castelo Branco, celebrando um contrato de gestão e arrendamento com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que fica responsável pelo aluguer do imóvel com rendas acessíveis e durante o período necessário.
O que já está a ser feito São 122 as propostas do Programa Nacional de Coesão Territorial que já entraram em vigor e Susana Amador enumerou algumas das medidas: o concurso dos médicos, que abriu e preencheu 150 vagas nas zonas interiores, a abertura de 43 juízos de proximidade – tendo 20 deles resultado da reabertura de tribunais encerrados pelo governo anterior –, a melhoria das forças de segurança da GNR e da PSP, a criação de cursos técnicos profissionais nos politécnicos, que integraram mais de 12 mil alunos, e a possibilidade de atribuição do grau de doutoramento pelos institutos que reúnam as condições exigidas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). “Captar estudantes é captar juventude, dinâmica e vida para as cidades”, reforça a deputada.
“Nós conseguimos valorizar e mostrar às pessoas que viver no interior é bom, é viver numa zona que lhes oferece um ambiente melhor, mais diversidade, mais biodiversidade, e tudo isso pode ser uma vantagem competitiva para as empresas”, diz ainda a deputada, reforçando que no interior, “sobretudo, há qualidade de vida”.
Também os partidos com representação parlamentar têm vindo a apresentar propostas para melhorar a coesão territorial. O PSD defende há vários anos a criação de um estatuto dos territórios de baixa densidade, explica Manuel Freixo, presidente da comissão política distrital de Castelo Branco e ex-autarca do Fundão. “Para nós, não basta falar no interior, é preciso que o interior esteja consagrado na lei com um estatuto próprio que faça com que os decisores políticos obrigatoriamente tenham de proteger estes territórios mais vulneráveis e mais carenciados.” Os sociais-democratas têm ainda uma proposta para a criação de um estatuto fiscal para o interior que está em discussão no parlamento.
A questão dos benefícios fiscais é também defendida pelo CDS, que pretende a criação de uma zona franca, e pel’Os Verdes que, depois de terem aprovado no Orçamento do Estado de 2017 essa proposta, pretendem apresentar na discussão no novo Orçamento para 2019 o aumento do estímulo fiscal. “O que o governo nos disse na altura – e compreendemos que assim seja – foi que era preciso fazer uma avaliação dessa medida, aquilo que representou em 2017, e quando negociámos o Orçamento de 2018 ainda não tínhamos esse estudo”, explica o deputado José Luís Ferreira.
Para além do estatuto fiscal, Os Verdes querem ver o governo a investir na agricultura familiar, tendo apresentado uma proposta esta semana na Comissão de Agricultura e Mar. “Nós consideramos que a questão da agricultura é fundamental para o interior”, afirma o deputado, defendendo que “é preciso apostar na nossa produção nacional para criar postos de trabalho, para que as pessoas se fixem no interior do país.”
“Ter uma estratégia para o interior do país que não fale de agricultura é como ter uma estratégia para o litoral do país que não fale de mar”, afirmou Pedro Mota Soares, do CDS. E avança também a preocupação de repensar a forma como é armazenada a água nessas zonas. “Hoje, uma das coisas que nós percebemos que vão continuar a existir e que é um assunto sensível é a dimensão das alterações climáticas. Estamos em junho e está a chover, viemos de três anos de seca. Portanto, a forma como temos de programar o armazenamento de água vai ser absolutamente crucial para todos os efeitos: abastecimento das populações, energia e agricultura”, alertou.
Do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, para além da aposta na criação de emprego, Pedro Soares defende o investimento nos serviços públicos. “As pessoas que vivem em regiões de baixa densidade demográfica não podem ser tratadas como pessoas de segunda. São portugueses como todos os outros, portanto têm de ter acessibilidade aos serviços públicos essenciais”, afirma, referindo-se ao Serviço Nacional de Saúde, à educação e à justiça, mas também aos CTT e a à Caixa Geral de Depósitos.
“Estarmos aqui a falar do interior e falar da necessidade de medidas de modo a contrariar o despovoamento do interior, mas não conferir a essas populações a capacidade de decisão sobre a sua própria estratégia de desenvolvimento dos seus territórios e comunidades, parece-me que é uma enorme hipocrisia política”, diz ainda o deputado bloquista, defendendo a regionalização. Sobre o poder local, Os Verdes querem ainda que haja reposição das freguesias que foram extintas durante o governo PSD/CDS.
O i não conseguiu entrar em contacto com o PCP. No entanto, Jerónimo de Sousa defendeu no debate quinzenal de 23 de maio que o interior “exige respostas estruturais, um leque amplo de políticas integradas, dinamizadas regionalmente; exige a regionalização; exige uma outra política agrícola e florestal, outra visão para reindustrializar o país e as redes de distribuição comercial, criar emprego estável, bem remunerado e com direitos; exige o aproveitamento e potenciação de todos os recursos nacionais – nomeadamente mineiros e energéticos; exige Orçamentos do Estado e fundos comunitários com forte discriminação positiva para os territórios com forte desertificação”.