Cem dias, sem alcance


O PSD deve afirmar-se pelo elogio à iniciativa privada na defesa daqueles que acrescentam valor económico ao país e produzem emprego em detrimento de um Estado sugador, dispendioso e excessivamente protecionista


Em termos históricos, o papel que o PSD desempenhou na sociedade portuguesa nunca foi um papel marcadamente ideológico. Teve sempre uma característica de flexibilidade, por oposição a partidos mais rígidos como o PCP, que acompanhou com o passar dos anos, e em circunstâncias demasiadamente diferentes, o pulsar e as necessidades do país. Desta forma, querer redundar a atuação do PSD às suas linhas programáticas fundacionais não só confunde contextos – o de hoje profundamente marcado por uma sociedade aberta, global e integrada numa supraorganização política e económica concomitantemente portadora de necessidades claramente distintas das da sociedade da década de 70 do século passado, que essencialmente se consubstanciavam na afirmação da liberdade e da democracia depois de décadas de um regime autoritário e fascizante – como é um terrível equívoco e uma indesejável contradição.

Ora, isto quer dizer que essa flexibilidade identitária é o pergaminho que fazem dele beneficiário das mais variadas reformas estruturais que se operaram em Portugal. Foi assim na democratização do sistema político português e na transição da liberdade revolucionaria para a liberdade democrática, com o empenho na extinção do Conselho da Revolução, na revisão constitucional de 1982, criando o Tribunal Constitucional e o Conselho de Estado, com a abertura do caminho às reprivatizações, eliminando o principio revolucionário da irreversibilidade das nacionalizações, com o complemento da democracia representativa retirando o poder absoluto aos partidos políticos, com a criação do instituto do referendo, na inclusão de novos direitos fundamentais e de regras para o exercício dos mesmos, no reforço de competências da Assembleia da República, do fim da estatização da comunicação social, do apelo à iniciativa privada como motor da criação de emprego e do desen-volvimento económico e um conjunto infindável de reformas impossíveis de descrever neste espaço.

Hoje temos uma enigmática solução governativa que se arroga de uma atuação “ao centro” com um comunismo “ao centro” e um radicalismo de esquerda “ao centro”. A verdade é que com a configuração política de hoje de um PS que esperou 40 anos para se apoiar no comunismo e na extrema-esquerda e cujo posicionamento das suas fileiras mais novas vislumbra uma continuidade dessa solução. Não basta, por isso, ao PSD encontrar exclusivamente pontos de convergência em matérias, importantes mas não suficientes, como os fundos comunitários ou a descentralização.

Ao PSD, as meras convergências de ocasião, que aconteceriam com mais ou menos vigor qualquer que fosse a sua liderança, não chegam para se constituir em si mesmo como uma alternativa. Os campos continuam claramente definidos. Hoje tanto como naquele tempo pós-revolucionário do século passado. O PSD, para se constituir como alternativa, tem de se afirmar como um partido da direita democrática e moderada. Um partido que pugne pelas mais diversas liberdades e por que elas se sobreponham sempre ao poder claustrofóbico do Estado. O PSD deve afirmar-se pelo elogio à iniciativa privada na defesa daqueles que acrescentam valor económico ao país e produzem emprego em detrimento de um Estado sugador, dispendioso e excessivamente protecionista. O PSD deve abraçar a mobilidade laboral rejeitando a ideia da construção de sociedades de empregos para a vida no aparelho do Estado, impulsionando a competitividade com um mercado único global de oportunidades para todos. Um PSD que avolume a participação política dos cidadãos defendendo novas responsabilidades e novas formas de participação condizentes com o avanço tecnológico. Um PSD que traga à colação um regime de previdência solidário em confronto com um regime individualista. Um PSD que centre a ação do Estado na proteção àqueles que mais precisam, e não nos mesmos do costume. Um PSD profundamente europeísta com uma posição clara no aprofundamento da política económica e de segurança e justiça da União. Cem dias não se revelaram suficientes para se sentir o pulsar daqueles que durante anos reclamaram um PSD diferente. Ainda que a primeira impressão seja importante na ideia que formamos sobre as coisas, talvez sejam precisos mais cem dias para se perceber o alcance desta sua nova vida. Aguardemos.

 

Deputado do PSD.

Docente universitário

Escreve à segunda-feira