Achamos sempre que não somos feitos dessa fibra que move o impossível para a frente


Achamos sempre que não somos capazes, que connosco não daria. Achamos sempre que os nossos limites estão bem definidos, que temos mais medo que os outros, que só o fizemos, só o fomos porque não tínhamos outra opção


Nunca tinha estado em Celorico de Basto e, para mim, é sempre mais fácil estar num lugar onde, se andares à roda sobre ti mesmo, vês sempre verde e nunca ficas tonto. Aquela paisagem não deixa.

Apresentei a palestra Cancro com Humor na Escola Profissional de Fermil, para alunos e professores, a propósito da Feira de Saúde, e aproveitei a oportunidade para lhes falar da importância do humor nas dificuldades; contei-lhes histórias embaraçosas (daquelas que só posso contar longe de casa porque ninguém me conhece); apresentei-lhes a minha família como a responsável pelo meu sentido de alegria; desbloqueei alguns medos e mitos e quis lembrar que, mesmo que hoje não saibamos dar o devido valor às coisas, no futuro saberemos valorizar as pessoas que se cruzaram nas nossas vidas e as experiências que vivemos. Fi-los rir mas também pensar, e penso que me perdoaram aqueles minutos de sermão – nunca disse que era “bueda” fixe, pois não?

No fim da palestra, quando as pessoas se juntaram para os abraços e as palavras amigas, não pude deixar de agradecer ao Emanuel por ter estado na plateia, com um sorriso que nunca esmoreceu. Sempre que estou no palco fixo os rostos mais sorridentes porque são esses que me tranquilizam – estar ali nunca é fácil e o Emanuel foi o meu sorriso predileto do dia. Ao assinar-lhe o livro, soube que o Emanuel é de Moçambique e que estará, pelo menos, três anos em Portugal sem os pais, longe da família (como tem estado até agora), para estudar. Perguntei-lhe se estava bem cá e ele disse que adora, que se sente muito bem connosco, e eu gabei-lhe a coragem. Não pude deixar de achar que nunca seria capaz de fazer o que o Emanuel fez: deixar os meus pais tão cedo, tão longe. Achei incrível a ousadia e sobretudo a gratidão que mantém mesmo que, imagino eu, lhe custe tanto. Ele parabenizou-me a mim e eu fiquei fã dele.

Uma amiga minha que visitei há pouco tempo no hospital contava-me que o médico que tinha acabado de lhe salvar a vida lhe gabava a coragem por ela ser atriz e andar com um monólogo, sozinha, pelo país. E a minha amiga ria-se, chocada: “Como é que o homem que ‘só’ me salvou a vida acha que sou corajosa? Mas qual o sentido disso?”

A coragem do menino que sai de casa para estudar e só volta anos depois, a coragem do palhaço que põe a maquilhagem e enfrenta o público difícil, a coragem do pedreiro que sobe ao andaime e ninguém lhe pergunta se tem medo de alturas, a coragem da mãe que tem dois empregos e que ainda é apelidada de mãe ausente, a coragem do pai que emigra sozinho e que só está no Natal.

Achamos sempre que não somos capazes, que connosco não daria. Achamos sempre que os nossos limites estão bem definidos, que temos mais medo que os outros, que só o fizemos, só o fomos porque não tínhamos outra opção. Achamos sempre que não somos feitos dessa fibra que move o impossível para a frente. Mas não é verdade. A coragem está em cada um de nós, só a vivemos de forma diferente consoante a vida que temos, consoante o papel que nos calhou.

Obrigada à Escola Profissional de Fermil pelo convite e ao Celorico Palace Hotel & Spa por ter apoiado esta ação.

 

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