O aumento da concessão do crédito à habitação já voltou a fazer soar alarmes junto do Banco de Portugal (BdP). Ainda esta terça-feira foram conhecidos os números relativos ao primeiro trimestre, tendo sido concedidos pela banca portuguesa 2186 milhões de euros para a compra de casa. Só no mês de março, o volume de novos créditos atingiu os 876 milhões de euros, um máximo histórico desde julho de 2010 – quando foram dados 975 milhões, segundo os dados mais recentes do regulador.
Aliás, em março, o montante concedido pela banca para a compra de casa representou 60% de todos os empréstimos a clientes particulares: 1472 milhões de euros – neste caso, correspondendo a um volume recorde desde março de 2012.
Esta tendência já se verificou no ano passado. Só em 2017, as instituições financeiras deram mais de oito mil milhões de euros para a compra de casa, o que representa um aumento de 43% face ao ano anterior. Trata-se do valor mais elevado desde a crise financeira.
Face a este cenário, a entidade liderada por Carlos Costa já veio recomendar aos bancos a aplicação de limites nos critérios de concessão destes financiamentos. No entanto, para já, trata-se apenas de recomendações. Mas, se não forem respeitadas, o governador admite que possam ser obrigatórios.
“Vamos observar se os bancos respeitam ou não a recomendação. Se não respeitarem, passamos para o nível seguinte: a injunção”, afirmou ontem aos deputados na Comissão de Orçamento e Finanças.
Em fevereiro, o Banco de Portugal já tinha feito recomendações aos bancos sobre os limites máximos de endividamento das famílias quando lhes são atribuídos novos créditos ao consumo e à habitação. De acordo com o regulador, as instituições financeiras, ao emprestarem dinheiro, devem ter em atenção os rácios entre o montante do empréstimo e o valor do imóvel dado em garantia, entre o montante da prestação mensal e o rendimento e ainda o prazo do empréstimo – uma medida que irá entrar em vigor a partir de julho.
Desta forma, Carlos Costa recomenda a atribuição de novos créditos apenas a clientes que gastem até 50% do seu rendimento líquido com as prestações mensais de todos os empréstimos detidos (habitação e consumo). Ainda assim, admite que os bancos podem ultrapassar este limite de taxa de esforço até 5% do montante total de créditos concedidos por ano e assumir uma taxa de esforço de 60% do cliente até um quinto do montante total de créditos concedidos nesse ano.
O regulador sugere ainda que os bancos tenham em consideração, entre outras questões, uma subida das taxas de juro de três pontos percentuais no cálculo da chamada taxa de esforço, para se “evitar que a subida esperada da Euribor coloque o empréstimo num patamar de risco excessivo, podendo conduzir ao incumprimento no crédito”.
Já no que diz respeito ao rácio entre o montante do empréstimo e o valor do imóvel dado em garantia, o banco central recomenda um limite de 90% para créditos para habitação própria e permanente e de 80% para créditos com outras finalidades que não habitação própria e permanente. Quanto ao valor do imóvel dado em garantia, o regulador sugere que se limitem os novos empréstimos quando o valor da garantia ficar abaixo de 90%, no caso de habitação própria e permanente, de 80% para créditos com outras finalidades que não habitação própria e permanente e de 100% para aquisição de imóveis detidos pelas instituições e contratos de locação financeira imobiliária.
Em relação à maturidade original dos empréstimos, o limite é de 40 anos nos contratos de crédito à habitação e crédito com garantia hipotecária ou equivalente, e convergência gradual para uma maturidade média de 30 anos até final de 2022, e de dez anos nos contratos de crédito ao consumo.
Juros negativos no crédito Este alerta do governador foi feito no mesmo dia em que os deputados aprovaram na Comissão de Orçamento o projeto do Bloco de Esquerda consensualizado com o PS que obriga os bancos a refletirem nos contratos do crédito à habitação os valores negativos das taxas Euribor.
Se o diploma for aprovado pelo parlamento, em caso de juros negativos cria-se um crédito de juros do cliente bancário que será abatido quando os juros subirem e passarem a ter um valor positivo.
Desta forma, os bancos não teriam de imediato de pagar uma pequena parte dos empréstimos aos clientes. Contudo, os bancos deverão ter de contabilisticamente registar essa imparidade desde logo.
A medida já recebeu a rejeição dos bancos. O presidente do BCP considerou esta semana que ela pode ter efeitos negativos que não foram avaliados, desde logo pela desvantagem dos bancos portugueses face aos europeus. Nuno Amado diz mesmo que “não tem cabimento legal”. E alerta para os efeitos colaterais. “Pode desincentivar a dação de crédito e ter efeitos colaterais que estamos a avaliar”, disse Nuno Amado.
Já na semana passada, o presidente do Santander Totta tinha avisado que, se a lei dos juros negativos avançar e não existir uma proporcionalidade no que acontece nos depósitos, então “podem fechar os bancos”.
“Se chegarmos a uma situação em que somos nós a ter de pagar o crédito quando, do ponto de vista dos depósitos, estamos proibidos de cobrar juros aos clientes, não percebo como é que podemos funcionar. Então fechem os bancos”, disse António Vieira Monteiro.
Também o presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) considerou que a proposta de legislação sobre juros negativos “fere o quadro jurídico e institucional vigente” e que “não faz nenhum sentido que o prestador, em vez de ser remunerado”, possa pagar a quem concedeu o crédito.
Sobre este tema, a vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), Elisa Ferreira, mostrou, em abril, preocupação, considerando que se trata de uma questão “particularmente complexa” e cujo impacto é difícil de prever.
A responsável advertiu que “são águas nunca dantes navegadas” e que o BdP não tem conhecimento de que, no espaço da União Europeia, tenham sido desenvolvidas iniciativas legislativas ou regulamentares destinadas a fixar orientações expressas quanto à forma de aplicação das taxas de juro negativas nos contratos de crédito à habitação.
Incumprimentos caem Estas alterações surgem numa altura em que temos vindo a assistir a uma redução do número de incumprimento dos créditos. De acordo com os últimos dados da Central de Responsabilidades de Crédito, no final de março existiam cerca de 520 mil famílias cujos créditos estavam em situação de incumprimento. Feitas as contas, este número é o mais baixo do histórico disponibilizado pela entidade liderada por Carlos Costa, que remonta ao início de 2009, ainda antes de rebentar a crise financeira. No espaço do último ano, houve quase 60 mil a sair do incumprimento.
No que respeita ao crédito à habitação, o número de situações de incumprimento caiu para um total de perto de 110 mil no final de março. Nessa ocasião, este segmento tinha à sua conta 2842 milhões de euros de malparado, o que representa 4,2% face ao total do crédito à habitação.