O ataque à propriedade privada


O que caracteriza as democracias é reconhecerem o direito de propriedade, considerado como um direito fundamental, só sendo admitidas requisições e expropriações forçadas em caso de utilidade pública dos bens e mediante justa indemnização. É precisamente o que faz o art.º 62.º da nossa Constituição


Nos últimos dias tem-se assistido em Portugal ao maior ataque à propriedade privada desde o PREC. Se a geringonça se tem mostrado desunida em muitas matérias, neste caso está profundamente unida. Helena Roseta apresenta no parlamento um projecto de lei de bases da habitação que proclama ser “uma saudação e um reconhecimento a todas as lutas cidadãs” (p. 10), com requisições forçadas de habitações ao bom estilo do PREC, garantindo que “só assim honraremos o mote da palavra de ordem do 25 de Abril que de novo comemoramos: ‘o povo é quem mais ordena’” (p. 11). Não querendo ficar atrás nesta euforia revolucionária, o governo anuncia novas medidas contra os proprietários como a prorrogação forçada de contratos de arrendamento, em clara lesão da confiança de quem os celebrou. E no parlamento multiplicam-se iniciativas legislativas dirigidas contra os proprietários, de que se salienta a suspensão dos processos de despejo, também uma medida muito usada no PREC, que impediu durante imenso tempo os senhorios de reaver os seus imóveis, em clara lesão dos seus direitos.

O que caracteriza as democracias é reconhecerem o direito de propriedade, considerado como um direito fundamental, só sendo admitidas requisições e expropriações forçadas em caso de utilidade pública dos bens e mediante justa indemnização. É precisamente o que faz o art.o 62.o da nossa Constituição. 

Já o que caracteriza as ditaduras é, pelo contrário, o desprezo com que encaram o direito de propriedade e a maneira como o colocam facilmente ao serviço do poder político. É precisamente essa a filosofia do projecto de lei de bases da habitação. Não apenas transforma o direito de propriedade num dever, ao proclamar enfaticamente que o proprietário tem o dever “de fazer uso do seu bem, de forma a que o exercício da propriedade contribua para o interesse geral” (art.o 4.o, n.o 1) como também facilita totalmente a requisição de casas privadas, bastando para isso que uma qualquer assembleia municipal aprove uma declaração de que se verifica “uma situação de défice habitacional, falha ou disfunção de mercado ou risco de declínio demográfico” (art.o 39.o). Nesse caso, os imóveis requisitados são integrados à força num fundo de imóveis públicos (art.o 49.o). Muitos dos nossos emigrantes poderiam ver, assim, as suas casas retiradas desta forma abrupta, sem quaisquer direitos ou garantias.

Está a causar escândalo a nível internacional o facto de o regime sírio ter decidido expropriar todas as casas dos deslocados e refugiados, em ordem a estabelecer o repovoamento por outras pessoas. Efectivamente, mais de dez milhões de sírios foram obrigados a provar a sua propriedade até ao início de Maio, sem o que as suas casas passarão para o Estado, vedando assim qualquer possibilidade de os refugiados e deslocados um dia regressarem às suas casas na sua terra de origem. É precisamente esta a marca de água das ditaduras. Bashar al-Assad também fez a sua lei de bases da habitação.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990


O ataque à propriedade privada


O que caracteriza as democracias é reconhecerem o direito de propriedade, considerado como um direito fundamental, só sendo admitidas requisições e expropriações forçadas em caso de utilidade pública dos bens e mediante justa indemnização. É precisamente o que faz o art.º 62.º da nossa Constituição


Nos últimos dias tem-se assistido em Portugal ao maior ataque à propriedade privada desde o PREC. Se a geringonça se tem mostrado desunida em muitas matérias, neste caso está profundamente unida. Helena Roseta apresenta no parlamento um projecto de lei de bases da habitação que proclama ser “uma saudação e um reconhecimento a todas as lutas cidadãs” (p. 10), com requisições forçadas de habitações ao bom estilo do PREC, garantindo que “só assim honraremos o mote da palavra de ordem do 25 de Abril que de novo comemoramos: ‘o povo é quem mais ordena’” (p. 11). Não querendo ficar atrás nesta euforia revolucionária, o governo anuncia novas medidas contra os proprietários como a prorrogação forçada de contratos de arrendamento, em clara lesão da confiança de quem os celebrou. E no parlamento multiplicam-se iniciativas legislativas dirigidas contra os proprietários, de que se salienta a suspensão dos processos de despejo, também uma medida muito usada no PREC, que impediu durante imenso tempo os senhorios de reaver os seus imóveis, em clara lesão dos seus direitos.

O que caracteriza as democracias é reconhecerem o direito de propriedade, considerado como um direito fundamental, só sendo admitidas requisições e expropriações forçadas em caso de utilidade pública dos bens e mediante justa indemnização. É precisamente o que faz o art.o 62.o da nossa Constituição. 

Já o que caracteriza as ditaduras é, pelo contrário, o desprezo com que encaram o direito de propriedade e a maneira como o colocam facilmente ao serviço do poder político. É precisamente essa a filosofia do projecto de lei de bases da habitação. Não apenas transforma o direito de propriedade num dever, ao proclamar enfaticamente que o proprietário tem o dever “de fazer uso do seu bem, de forma a que o exercício da propriedade contribua para o interesse geral” (art.o 4.o, n.o 1) como também facilita totalmente a requisição de casas privadas, bastando para isso que uma qualquer assembleia municipal aprove uma declaração de que se verifica “uma situação de défice habitacional, falha ou disfunção de mercado ou risco de declínio demográfico” (art.o 39.o). Nesse caso, os imóveis requisitados são integrados à força num fundo de imóveis públicos (art.o 49.o). Muitos dos nossos emigrantes poderiam ver, assim, as suas casas retiradas desta forma abrupta, sem quaisquer direitos ou garantias.

Está a causar escândalo a nível internacional o facto de o regime sírio ter decidido expropriar todas as casas dos deslocados e refugiados, em ordem a estabelecer o repovoamento por outras pessoas. Efectivamente, mais de dez milhões de sírios foram obrigados a provar a sua propriedade até ao início de Maio, sem o que as suas casas passarão para o Estado, vedando assim qualquer possibilidade de os refugiados e deslocados um dia regressarem às suas casas na sua terra de origem. É precisamente esta a marca de água das ditaduras. Bashar al-Assad também fez a sua lei de bases da habitação.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990