Roma-Liverpool. O esparguete cozido e a morte na Cidade Eterna

Roma-Liverpool. O esparguete cozido e a morte na Cidade Eterna


Repete-se hoje, para a Liga dos Campeões, um confronto que já foi final da antiga Taça dos Campeões. A primeira a ser decidida através de grandes penalidades. Jogo chato que terminou em tragédia


Pela primeira vez uma final da Taça dos Campeões, que não Liga dos Campeões – que tanto mete campeões como alguns que já não são campeões há quase vinte anos, como o Liverpool desta história – foi decidida nos pontapés da marca de grande penalidade.

Final estranha essa. No geral, uma grandessíssima estucha com Roma e Liverpool pouco decididos a saírem das suas tamanquinhas defensivas, muito preocupados com as suas linhas atrasadas, benza-os Deus, e se isso era uma prática reiterada em Itália, na Inglaterra não o era certamente.

O apuramento da Roma para a final que se disputou precisamente em Roma foi um bocado escandaloso – lixaram-se os pobres diabos escoceses do Dundee por conta de uma arbitragem miserável na segunda mão da meia-final, e uns anos mais tarde a corrupção veio a público com castigos severos para o clube romano e seu presidente.

Mas, enfim, é do Roma-Liverpool que falamos, jogo do dia hoje, ultrapassemos (a custo) as ilegalidades cometidas, e vamos para o que se passou no Estádio Olímpico no dia 30 de Maio de 1984.

No final dos 90 minutos, um a um. Golos de Phil Neal – a aproveitar tremenda confusão arranjada por Tancredi – e de Pruzzo, a concluir uma daquelas jogadas tão fantásticas como adoidadas de Conti, moço que tinha habilidade para dar e vender.

No final da meia hora de prolongamento, manteve-se o um a um.

Depois, nos penaltis, um figurão de nome Grobelaar, nascido lá para os confins do Zimbabué, resolveu-se a uma palhaçada, fazendo de conta, em cima da linha, que se desmanchava como esparguete mal cozido, de tal ordem que enervou Conti e Graziani até ao ponto de enviarem para as estrelas do céu romano a bola que deveriam meter dentro da baliza do guarda-redes brincalhão.

Ganhou o Liverpool a sua quarta Taça dos Campeões.

A Roma, que tinha uma equipa de calibre, com gente como Falcão e Toninho Cerezzo, Pruzzo, Conti, Graziani e Di Bartolomei, ficou-se pela mais íntima das frustrações. Nunca estivera tão perto e ficara a milímetros do troféu com que sonha agora, depois daquela reviravolta contra o Barcelona que deixou a Europa boquiaberta.

Nas ruas da Cidade Eterna, as coisas descambaram.

Quatro horas depois do árbitro Fredrikssen ter dado o encontro por concluído, já havia um morto e mais de 40 feridos.

Ingleses enjaulados numa premonição de Heysel.

Nanja que os italianos vestissem o diáfano manto da inocência.

Revelaram os testemunhos da ocorrência que apedrejaram forte e feio autocarros com adeptos do Liverpool.

A batalha começou como fogo em palha seca e alastrou-se a vários pontos da cidade.

Mais de cem mil pessoas assistiram ao jogo através de ecrãs gigantes montados no Circo Máximo.

Choveu pancada da feia.

A polícia italiana não foi de modas: distribuiu generosamente bastonada a esmo.

Um rapazinho de 23 anos, Danilo Musetti, foi morto a murro e pontapé numa rixa sem quartel. Vários feridos graves entraram essa noite nos hospitais de Roma.

Uma sombra negra e assustadora espalhava-se sobre o futebol da velha Europa. A tragédia vinha a caminho como se galopasse por entre os quatro cavaleiros do apocalipse.

Liverpool-Roma: repete-se agora.

Talvez debaixo de um céu sem nuvens.