Jacob Zuma sobreviveu a seis moções de censura ao longo da sua tumultuosa presidência de nove anos, mas poucos acreditam que sobreviva hoje à primeira moção de confiança. O presidente sul-africano chegou ao fim da linha e esgotou esta quarta-feira o prazo imposto pelo seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC na sigla em inglês), para abandonar o poder pelo próprio pé e evitar a vergonha de assistir aos deputados da maioria a alinharem-se com a oposição para o derrubar.
É quase certo que Zuma deixa hoje a presidência. O partido antecipou-se à moção de censura marcada para dia 28 e convocou para hoje uma moção de confiança cujo desfecho se conhece de antemão e demonstrará que o presidente sul-africano já não tem controlo sobre o ANC, o parlamento ou até outras alavancas do poder que até há poucos dias o conservavam no topo, apesar do amontoado de casos de corrupção e veredictos desfavoráveis nos tribunais. Na manhã desta quarta, por exemplo, as autoridades desencadearam uma operação que há três meses se julgava impossível: lançaram uma rusga à residência da família Gupta, em Joanesburgo, atacando um dos centros de influência e poder da era Zuma.
A família Gupta está no centro das acusações de apropriação de fundos públicos contra o presidente e a sua vulnerabilidade demonstra que o Estado já não está do seu lado – e que Zuma já não tem influência sobre as autoridades. Horas depois da operação, reagindo às notícias de que o ANC agendara uma moção de censura para hoje, Zuma convocou as televisões sul-africanas para declarar-se vítima das manobras de poder no seio do seu próprio partido.
Com um discurso que pareceu desconexo, Zuma insistiu várias vezes que, ao contrário do que diz o ANC, aceitou demitir-se como lhe exigiu o partido na segunda-feira, mas só em junho. “Ninguém me explica as razões pelas quais devo demitir-me”, disse Zuma, de quem ainda se esperava uma declaração ao país à hora de fecho desta edição – possivelmente, mas não certamente, para se demitir, evitando o teatro parlamentar.
O ANC afirmava esta quarta-feira que só reagiria às declarações oficiais do presidente e que nada diria das declarações da tarde. Contudo, vários dirigentes do ANC afirmavam já que o processo de destituição de Jacob Zuma será rápido e que o vice-presidente e novo líder do partido, Cyril Ramaphosa, será empossado ainda antes do fim de semana. “Para nós, na liderança do ANC, já não se pode esperar”, dizia o tesoureiro do partido, Paul Mashatile. “Queremos criar certeza para ajudar os que não sabem o que se vai passar em seguida”, afirmava, por sua vez, Jackson Mthembu, o líder parlamentar.
O provedor de justiça, que cunhou o termo “captura do Estado”, hoje usado diariamente nos meios de comunicação, acusa Zuma e os Guptas de negociarem em privado contratos públicos no valor de centenas de milhões de euros, nomeações governamentais, operações de enriquecimento ilícito, desvio de dinheiro e corrupção.
As suspeitas tornaram-se insuportáveis para admitir a continuidade de Zuma e o país parece estar já a voltar a página com as rusgas à poderosa família de Joanesburgo.
“Encaramos esta investigação muito seriamente”, dizia esta quarta-feira o porta-voz das forças especiais que realizaram a rusga, Hangwani Mulaudzi. “Não andamos a brincar no que diz respeito a assegurarmo-nos que os responsáveis da chamada captura do Estado se responsabilizam pelos seus atos.”