Sempre adorei ler. Quando a professora pedia que fizéssemos uma composição, para mim era como se me fosse dito que tínhamos ganho um prémio. Colocar as letras na folha e dali sair uma história ou um pensamento era mais do que uma brincadeira de sons, era a única forma de entender o que sentia a ver as coisas, o que sentia quando me diziam coisas, o que sentia no meio de tanta coisa.
A minha tia não sabe ler e sempre me contou como isso a entristecia e empobrecia porque uma vida sem letras é quase uma vida sem visão – as placas, as cartas, os rótulos da comida, tudo o que nos rodeia tem um nome, uma inscrição, e quem não lê quase sente que não faz parte. Mas, mesmo assim, a minha tia continua a ser das pessoas mais interessantes que conheço porque, apesar de não ler histórias, conta–as e sabe falar sobre tudo o que vê. A minha tia não lê palavras mas lê pessoas, e essa tem sido a minha maior descoberta: mais importante do que saber juntar as letras é saber ler as subtilezas.
Em todas as histórias da sua infância, a minha tia descreve as personagens do seu passado com descrições e comparações que se poderiam facilmente encontrar no melhor livro de contos: “a mulher dos peitos grandes”, “a vizinha que bebia mais do que um boi”, “o rapaz que usava um buraco nas calças para ser mais fácil ‘aviar-se’”, e eu rio a cada passagem como se lesse um livro, como se as letras lhe saíssem da boca para um papel invisível. Apesar de não me imaginar sem escrever, se não o pudesse fazer talvez também tivesse o dom de contar histórias com narrações insólitas. Com ela, com os meus pais, com as piadas e as desgraças da vida, tenho-me apercebido que mais valioso do que conseguir ler uma carta das Finanças é saber encontrar um olhar e ver-lhe a intenção; abraçar um estranho e entender-lhe a essência; desviar caminho porque se projetou um mau agoiro.
Mais importante do que saber juntar as letras é saber ler as subtilezas.
Estou rodeada de gente que sabe ler de verdade. A minha irmã, por exemplo, anda numa viagem pelo mundo, e sempre que me conta as milhentas novidades do dia acaba por repetir uma conclusão a que chega em cada país que visita: a paz da viagem dela baseia-se na sua capacidade de ler os outros. Sabe em quem confiar e sabe quando deve ir embora. Lê o que vê, lê as paisagens, lê os olhares, lê as pessoas, lê a forma como está, lê o seu mapa sem legenda. Tenho aprendido que ler sem letras é mais difícil e mais necessário, e que não tens de saber assinar o teu nome para seres bom a fazê-lo. Não sei se sou ótima a fazê-lo, mas tenho praticado a minha leitura: li o meu padrão de medo antes de cada consulta as vezes suficientes para deixar de o repetir e cada pensamento provocado pela minha ansiedade ao ponto de saber desligar a mente. Recentemente li também que às vezes sou ainda a Marine de outros tempos, que não consegue dizer aquilo que a magoa porque lhe faltam as palavras – o que não deixa de ser estranho. Deixa lá, mais importante do que saber juntar as letras é saber ler as subtilezas.
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