Não pagamos assessores para deitarem jornais abaixo


Os visados numa notícia podem e devem discutir o trabalho do jornalista, apontar os erros, meter processos na justiça e enviar direitos de resposta. O que não se pode aceitar é que assessores pagos com o dinheiro público que nem visados são andem por aí a denegrir a imagem de órgãos de comunicação (e, com…


Haver assessores do governo (ou de municípios) a desrespeitar órgãos de comunicação social nas redes sociais é um problema para a democracia. Muito mais quando esses insultos ou perseguições surgem como reação a notícias que são desvantajosas para quem está no poder. Não é para defender uma sociedade com menos jornais que lhes pagamos os salários. Pagamos para que defendam a nossa democracia e essa democracia é tanto mais saudável quanto mais jornais tiver. É legítimo discutir notícias (e a sua veracidade), discutir o profissionalismo de jornalistas, mas nunca pôr em causa uma instituição e, com isso, descredibilizar o trabalho de bons e de maus profissionais como um todo.

Mas vamos ao início, para que se perceba o que está em causa neste texto. O jornal “Observador” escreveu há dias um trabalho sobre o facto de, na Câmara de Lisboa, as avenças em gabinetes do PS chegarem a aumentar 80%, isto depois de o “SOL” ter também feito um trabalho sobre o número de assessores na autarquia. Um dos visados, Duarte Cordeiro, vice-presidente da Câmara de Lisboa, reagiu no seu Facebook pessoal mostrando a sua versão dos factos – está no seu pleno direito e é um exercício de democracia.

O mais surpreendente foi ver a assessora do Ministério da Administração Interna Patrícia Cerdeira aproveitar o momento para lançar um ataque a dois meios de comunicação, um deles completamente gratuito. Dizia Patrícia Cerdeira, ainda por cima uma ex-jornalista que já está naquele ministério desde a tutela de Constança Urbano de Sousa, o seguinte: “Era importante saber quantas pessoas leem o i e o Observador. Tenho quase a certeza que 80% do povo nem sabe o que são.” (A assessora da Câmara Municipal de Lisboa Luísa Botinas apressou-se a pôr um gosto na publicação).

Ficamos assim a saber mais sobre o que pensa a assessora do MAI de dois órgãos de comunicação nacionais e como exerceu até há bem pouco tempo o seu papel de assessora de imprensa no mesmo ministério. Parece que, para Cerdeira – hoje técnica especialista –, é importante saber quantas pessoas leem um jornal para lhe dar relevância, podendo assim concluir que o único que lhe merecerá respeito máximo será o líder em vendas no país, ou seja, o “Correio da Manhã” – que deve merecer o respeito de todos, mas não pode ser o único a ser respeitado.

Que existem erros diários no jornalismo, ninguém tem dúvidas, e a maioria dos profissionais da área lutam para tentar uma informação que fuja a esses erros – vejo esse sacrifício todos os dias, apesar das dificuldades económicas que têm fustigado as empresas de média.

Também não deixa de ser importante ver como algumas pessoas que ocupam cargos públicos e são visadas em notícias sabem mostrar a sua posição sem menosprezar a imprensa, numa clara demonstração do que é a democracia e a aceitação do escrutínio público. Além de desabafos no Facebook quando surgem notícias incorretas a visar uma qualquer pessoa, a lei reserva o direito à defesa nas páginas do mesmo jornal – os direitos de resposta –, e essa pessoa pode, se tal não for suficiente para restaurar a sua boa imagem, intentar uma ação em tribunal.

O que não se pode aceitar é que pessoas que ocupam cargos de responsabilidade, ainda por cima nem sendo visadas, usem as redes sociais para incentivar ao ódio ou para denegrir a imagem de meios de comunicação como um todo, empurrando para o mesmo barco bons e maus profissionais. É um comportamento, no mínimo, lastimável.

Bem sabemos que há órgãos de comunicação social que assumem um papel, fruto de investigações jornalísticas, incómodo para o poder, mas isso não pode justificar ataques gratuitos de quem é pago pelos portugueses e para representar os portugueses. E é verdade que o i – chamado a esta conversa de Facebook ao acaso, ou por ser do grupo do “SOL” – tem mantido essa postura. Que é a de informar, o único propósito do jornalismo.

Fê-lo nos últimos tempos como, aliás, já o tinha feito em anos passados, com outros governos e com outros executivos camarários.

Com tudo isto, só resta uma conclusão: o i e o “Observador” podem nem ser conhecidos por “80% do povo”, mas incomodam com os seus trabalhos jornalísticos porque continuam a pedir respostas, continuam a fazer jornalismo. Às vezes, e não sei se foi o caso, com erros, mas fazem-no.

P. S. Sobre a Administração Interna que interessa e é motivo de orgulho para os portugueses, gostava de deixar aqui uma palavra de apreço para o dispositivo montado pela PSP para a passagem de ano no centro da cidade de Lisboa. Apesar de discreto, foi eficiente e fez com que quem foi ao evento da Praça do Comércio se sentisse seguro. Quando, durante a madrugada, passei numa das entradas do Rossio, testemunhei o esforço e mobilização de meios. Este reconhecimento pelo trabalho dos que passaram a noite toda a zelar pela segurança da capital (e do país) é mais do que justo, até porque não se deve só encher páginas quando algo corre mal.

Jornalista