Olá, Pai Natal,
Descobri aos dez anos que eras uma grande fraude e, confesso-te, essa foi uma das minhas maiores desilusões. Acreditava piamente em ti. Achava-te o máximo, não só porque só trabalhavas uma vez por ano, e isso mostra uma inteligência acima da média, mas porque me fazias acreditar que, pelo menos em dezembro, o mundo era justo. Diziam–me que todas as crianças recebiam alguma coisa no Natal e isso descansava- -me. Quando descobri que durante todos aqueles anos tinha sido enganadinha, fiquei muito, muito chateada, mas depois percebi que os adultos só queriam transmitir-me alguma magia para me protegerem mais um bocadinho das coisas feias. E, agora que sou adulta, faço o mesmo com os meus sobrinhos – invento-me em jogos, em canções, em histórias, para que tudo seja fácil durante o máximo tempo possível. Não os julgo.
Perguntas-me porque te dirijo uma carta se sei que não existes. É uma pergunta justa. Tenho de te confessar que não te escrevo a ti, Pai Natal oficial, escrevo ao outro – àquele em quem acreditei durante muito tempo e que era tão real ao ponto de o ter criado. Esse Pai Natal existirá sempre. Nunca foi uma mentira para mim, foi autêntico, existiu e eu terei sempre saudades dele.
Querido Pai Natal desse tempo, sei que ainda te lembras de mim. Vivia naquela casa muito barulhenta, lembras-te? Ouvias-nos a berrar do Polo Norte, claro que te lembras. Desculpa todas as vezes que encharquei as minhas cartas em perfume e não me leves a mal por nunca te ter deixado comida (sempre fui a primeira a afinfar as bolachas lá de casa), mas não posso ter sido a tua pior cliente. Nunca te pedi muitos presentes, pedi-te uma vez uma casa de bonecas e tu mandaste-me bugiar (mas ok, era cara e também não me tinha portado assim tão bem), e era uma convicta apaixonada pelo verdadeiro espírito do Natal. Emocionava-me com as luzes, agradecia por ter a família reunida à volta da mesa e sabia todas as músicas de Natal com as respetivas coreografias! Achava o Natal o máximo. As pessoas pareciam–me mais bonitas, tinham mais tempo, davam abraços maiores.
Escrevo-te esta carta não para te pedir presentes (podes passar a minha casa à frente), mas para te pedir magia. Nunca a perdi, mas afrouxou um bocadinho. Não quero colocar a culpa nos outros (é feio, eu sei), mas tu sabes tão bem quanto eu que é difícil mantê-la porque, bolas, os adultos não vibram. Dizemos, como máxima, que o Natal é das crianças e parece que o fazemos para nos descartarmos de sermos felizes nesta época – “vá, sê tu feliz que ainda és um miúdo e eu já não tenho de o fazer!”.
Achas isso normal? Isto era para ser assim? Não sei se tens a obrigação de animar os graúdos e sei que não acharás graça a que ainda nos sentemos no teu colo, mas será que posso pedir-te para nos mostrares que o Natal também é nosso? Podes escrever um comunicado no Facebook a anunciar que, este ano, os adultos também podem fazer as suas próprias prendas e brincar com jogos de tabuleiro até ser hora de abrir os presentes? Podes encaixar-nos no evento, por favor?
Sabes que, na hora da ceia de Natal, tentamos sempre sentar-nos na cadeira que está mais perto da tomada para carregarmos o telemóvel, não sabes? Sabes que, por nós, adultos, a coisa acabava às dez da noite, correto? Sabes que é quase uma função impossível desligarmos a televisão e dedicarmos todas aquelas horas a conversarmos uns com os outros?
Claro que sabes. Por isso é que não nos ligas nenhuma e só queres saber das crianças. Nós, adultos, somos uma seca. Mas não me interessa – este é o meu pedido e vou depositar toda a minha confiança de outrora nele. Vou fechar os olhos e visualizar as famílias rindo, amando, sendo um. Este é o meu pedido:
Pai Natal, não te esqueças dos adultos. Já fomos aqueles putos que acreditaram em ti.
Blogger, Escreve à quinta-feira