Já não há coligações impossíveis na política portuguesa. Depois da geringonça à esquerda, temos a geringonça sem o PS mas com o PSD.
O roque no xadrez corresponde a uma manobra de protecção do rei em que, caso único nas regras do jogo, se podem mover duas peças ao mesmo tempo. A possibilidade de roque no xadrez obriga a que o rei não esteja em xeque antes da manobra, não fique em xeque depois da manobra e não passe por nenhuma casa que esteja ameaçada.
Já na política portuguesa, as regras para a prática do roque são muito menos exigentes. Não é preciso respeitar, como no xadrez, a coerência (não estar em cheque), a sobrevivência (não ficar em cheque) ou a continuidade (não fazer passar o rei por uma casa do tabuleiro que esteja ameaçada). Em Portugal vale tudo para obter um ganho político momentâneo, mesmo que a pequena vitória se revele uma enorme derrota com o passar do tempo.
Nesta segunda-feira foi assinada em Bruxelas a declaração relativa à Cooperação Estruturada Permanente em Matéria de Defesa (PESCO no acrónimo em língua inglesa), uma das possibilidades abertas pelo Tratado de Lisboa ao aprofundamento da integração europeia num formato de geometria variável (ou seja, sem envolver os 28 Estados-membros da União, bastando-se com um mínimo de nove). Vinte e três Estados-membros assinaram a declaração PESCO. De fora ficou o Reino Unido, que não só acredita no Brexit como sempre se opôs a qualquer política europeia de defesa digna desse nome. De fora ficou também a Dinamarca, que tem, desde o referendo que em 1992 recusou o Tratado de Maastricht, uma extensa colecção de “opt- -outs” em matéria de segurança e defesa, cidadania europeia, justiça, assuntos internos e euro. De fora ficaram ainda a Irlanda, que tem uma política de neutralidade e uma proibição constitucional de aderir a uma política de defesa europeia, e Malta, cuja Constituição impõe a neutralidade.
Aqui chegados, pergunta o leitor atento e praticante de sudoku: se 23 Estados da UE assinaram a declaração PESCO e já conhecemos quatro dos que ficaram de fora, quem é o quinto? Adivinhe, caro leitor, o que há de comum entre o Reino Unido (Brexit), a Dinamarca (opt- -outs), dois Estados neutrais e Portugal?
Há apenas o desejo, por parte da direcção morta-viva do PSD, de causar embaraço ao PS, juntando-se de forma incoerente às posições do Bloco e do PCP contra as estruturas militares organizadas (o alvo costuma ser a NATO) e contra a UE. Não deixa de ser um atestado de menoridade política que a adesão ou não de Portugal à PESCO se tenha tornado um tema para chicana política interna e vergonha junto dos parceiros estrangeiros. Que a actual direcção do PSD esteja entregue a um conjunto de jovens imberbes e incapazes de avaliarem as consequências da sua conduta não desobriga os dois candidatos à liderança do partido mais votado nas últimas eleições de terem, e expressarem, uma opinião fundamentada sobre a adesão de Portugal à PESCO.
Quero crer que as duas candidaturas integram, em número suficiente, pessoas conhecedoras da realidade da política de defesa à escala europeia. Mas, para os mais distraídos, aqui ficam alguns elementos que podem ajudar a emendar a mão: com Trump, a Europa descobriu que tem de tratar de uma fatia mais significativa da sua defesa; a PESCO vem acompanhada de um orçamento para investigação e para as indústrias de defesa que poderá permitir a redução dos custos da modernização das Forças Armadas Portuguesas, manter e desenvolver as indústrias de defesa nacionais e criar sinergias com os centros de investigação e a universidade.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990